Lembrei hoje de um pedaço de uma música de 1978, de Chico Buarque: Hoje você é quem manda / Falou, tá falado / Não tem discussão, não.
E, pior que naqueles tempos, te cuida! Porque se discutir, se ousar pegar no celular, vai encontrar um deles na porta do seu trabalho, ou no bar que você gosta ou te parar no meio da rua, para cobrar silêncio, concordância, lembrar que agora já existe licença pra matar, que ele tem licença pra inventar e o braço é forte, ele é grande e ruge.
Mesmo quando você repete uma coisa que o grande timoneiro, o Führer, disse, mas desdisse, eles veem e mostram as garras e os bíceps, muitas vezes os dentes e insistem (Me deixa citar Chico de novo): “Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar, o meu coração fecha os olhos e sinceramente chora, seu comunista, pouco arrependido. Ouse! ”
Tô com medo! Não vou mentir. Vivo aqui, na periferia do Nordeste, em uma cidade que se fez pequena e linda, que faz festa por acanhadas conquistas e olha de olhos compridos para a irmã cosmopolita do outro lado do rio. Que pouco aprende e pouco sabe, que não se interessa nem pelo fim do mundo ou pelo início da Terceira e última Guerra Mundial. É a esquina perdida da viagem sem volta dos velhos que carregam em silêncio as histórias de todas as vidas vividas.
Tô com medo! Nunca pensei que eles viessem, estivessem ali, os braços brilhantes de pulseiras e relógios caros nas janelas das enormes caminhonetes, roncando. Ou mesmo no olhar vingativo, furibundo, dos tantos que vestem a roupagem de ser rico e poderoso. Nunca pensei, mas eles estão!
Te cuida! Me cuido! Que o risco de sair à rua não é apenas o Corona (que o Führer diz que é invenção dos comunistas chineses); o risco está naqueles que hoje despem a pele de cidadão e cidadã e se mantém, olhos brilhantes, dedos ágeis no compartilha, copia e cola; dentes rangentes e idéias (?) de torturar, esganar, trucidar a todos que discordem ou se atrevam a rir.
Te cuida! Grupos escondem as armadilhas da opinião. Você fala, você escreve e está na mira! Não precisa nem discordar, a ira ferve até pelo silêncio. É preciso concordância!
Te cuida! Como o outro Manuel: Vou-me embora pra Pasárgada.
Manoel Leão