A Polícia Federal fez nesta terça-feira (26) buscas no Palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador Wilson Witzel (PSC), do Rio de Janeiro. A corporação apreendeu o celular e o computador do governador.
A operação, batizada de Placebo e autorizada pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), mira um suposto esquema de desvios de recursos públicos destinados ao combate ao coronavírus no estado.
O inquérito na corte foi aberto no último dia 13, com base em informações de autoridades de investigação fluminenses. Os mandados em cumprimento nesta terça foram solicitados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) na semana passada.
Veja abaixo perguntas e respostas sobre a operação.
Qual o foco da operação?
A operação Placebo, autorizada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e deflagrada pela Polícia Federal, mira um suposto esquema de desvio de recursos públicos por meio do superfaturamento de contratos firmados para o enfrentamento da pandemia de coronavírus no estado do Rio de Janeiro.
Segundo o Ministério Público, há indícios de participação ativa do governador Wilson Witzel (PSC) quanto ao conhecimento e ao comando das contratações. Nesta terça-feira (26), a PF cumpriu mandados de busca e apreensão em 11 endereços, incluindo o Palácio das Laranjeiras, residência oficial do governador.
Quais os indícios contra o governador Wilson Witzel?
No pedido de busca e apreensão ao STJ, o Ministério Público Federal cita interceptações telefônicas que mencionam o governador e um ofício assinado por ele como indicativos de sua participação nas irregularidades.
Em março deste ano, Witzel revogou uma portaria de outubro do ano passado que proibia a Organização Social Unir Saúde de firmar contratos com o poder público, após constatação de irregularidades na prestação de serviços.
Segundo os investigadores, esse despacho foi fruto de um ajuste ilícito entre o governador e o empresário Mário Peixoto, que seria o verdadeiro dono da Unir. Peixoto foi preso no último dia 14 na Operação Favorito, deflagrada pela PF, que mirou desvios em contratos da saúde envolvendo organizações sociais.
Peixoto também foi cliente do escritório de advocacia de Lucas Tristão, secretário de Desenvolvimento Econômico do Rio, de quem Witzel diz ter sido sócio. As investigações do MPF indicam que empresas de Peixoto transferiram R$ 225 mil para o escritório de Tristão.
Outro indício contra Witzel é o depoimento do ex-subsecretário da Secretaria de Saúde do Rio, Gabriell Neves, preso no início do mês pela Polícia Civil do Rio. Suspeito de fraudar a compra de respiradores, ele indicou que autoridades acima dele tinham ciência dos atos que assinou na pasta.
Quais os indícios contra a primeira-dama, Helena Witzel?
Entre os elementos que embasaram as buscas estão um contrato de prestação de serviços e honorários advocatícios firmado entre o escritório de Helena Witzel e a empresa DPAD Serviços Diagnósticos, de Mário Peixoto, e comprovantes de transferências bancárias entre as duas empresas.
Esse contrato tem o valor de R$ 540 mil, segundo documentos apreendidos e emails acessados na apuração.
Os investigadores também encontraram um email de 14 de abril deste abi, enviado pelo contador das empresas de Peixoto para um braço direito do empresário, com documentos a respeito de pagamentos para a primeira-dama.
O governador e a primeira-dama são investigados? Por quais crimes?
A PGR informou que o inquérito apura a prática dos crimes de peculato, corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
Quais os órgãos envolvidos na investigação?
A Polícia Federal foi responsável por cumprir os mandados de busca e apreensão, autorizados pelo ministro Benedito Gonçalves, do STJ. Esses mandados foram solicitados na semana passada pela PGR, que conduz a investigação no tribunal.
A autorização da medida cautelar pelo ministro ocorre no contexto de um inquérito aberto no STJ no dia 13 de maio, com base em informações compartilhadas por órgãos de investigação do estado do Rio.
As apurações, assim, tiveram início na Polícia Civil, no Ministério Público Estadual e no Ministério Público Federal no Rio de Janeiro, que enviaram os dados para a PGR.
O que apuraram os órgãos de investigação no Rio?
No dia 7 de maio, o Ministério Público do Rio e a Polícia Civil deflagraram a Operação Mercadores do Caos, que prendeu o ex-subsecretário-executivo de Saúde, Gabriell Neves.
Segundo os investigadores, ele fraudou o processo de aquisições emergenciais de respiradores para o enfrentamento da Covid-19. Os contratos sob suspeita somam cerca de R$ 1 bilhão. Neves foi exonerado por Witzel no final de abril, depois que reportagens apontaram aparentes irregularidades nos contratos. Trechos do depoimento do ex-subsecretário ao Ministério Público foram enviados à PGR.
Já no dia 14 de maio, o Ministério Público Federal no Rio e a Polícia Federal deflagraram a Operação Favorito, nova etapa da Lava Jato que prendeu o empresário Mário Peixoto. As investigações dizem respeito a supostos desvios em contratos na área da saúde envolvendo organizações sociais.
Peixoto teria pago propina a políticos, servidores públicos e conselheiros do TCE (Tribunal de Contas do Estado) para manter contratos com o governo.
A apuração ocorreu durante o ano de 2019 e se estendeu para o período da pandemia. Os investigadores afirmam que o grupo criminoso se utilizou de contratações emergenciais e sem licitação para obter vantagens ilícitas, inclusive no contexto da construção de hospitais de campanha. Supostas citações a Witzel em interceptações telefônicas colhidas nessa investigação foram compartilhadas com a PGR.
O suposto esquema coordenado por Mário Peixoto teve origem no governo Witzel?
Não. A detenção na Operação Favorito ocorreu no âmbito das investigações da Operação Lava Jato sobre atos que ocorreram durante a gestão do ex-governador Sérgio Cabral (MDB). Peixoto chegou a ser alvo de delação premiada do ex-presidente do TCE Jonas Lopes. Ele afirmou que o empresário foi um dos responsáveis por pagar uma mesada de R$ 200 mil aos conselheiros da corte em 2012 e 2013.
Mesmo alvo de investigações, Peixoto conseguiu se aproximar de Witzel durante a campanha eleitoral de 2018. É atribuída ao empresário a nomeação de cargos-chave no Detran, Cedae, Inea (Instituto Estadual do Ambiente), Loterj, entre outros órgãos da atual administração estadual. A empresa de sua família, Atrio Rio, já firmou R$ 81 milhões em contratos com a gestão Witzel, boa parte sem licitação.
O que Wilson Witzel disse sobre a operação?
Witzel afirma que não cometeu irregularidades e aponta interferências do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), seu desafeto, no curso da investigação. Bolsonaro é alvo de um inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) que investiga possível tentativa de interferência do presidente na autonomia da Polícia Federal.
Witzel usa essa apuração para se colocar como vítima de uma perseguição por parte de Bolsonaro.
“Estranha-me e indigna-me sobremaneira o fato absolutamente claro de que deputados bolsonaristas tenham anunciado em redes sociais nos últimos dias uma operação da Polícia Federal direcionada a mim, o que demonstra limpidamente que houve vazamento, com a construção de uma narrativa que jamais se confirmará. A interferência anunciada pelo presidente da república está devidamente oficializada”, afirmou o governador, em nota.
Por que o governador fala em vazamento da operação?
Na segunda-feira (25), um dia antes da operação, a deputada federal Carla Zambelli (PSL), aliada de Bolsonaro, falou à Rádio Gaúcha sobre um suposto represamento de operações contra governadores, que passariam a ser deflagradas a partir de agora.
“A gente já teve algumas operações da PF que estavam na agulha para sair, mas não saíam. A gente deve ter nos próximos meses o que a gente vai chamar de ‘covidão’ ou não sei qual vai ser o nome que eles vão dar. Mas já tem alguns governadores sendo investigados pela PF”, disse.
Ao acusar um suposto vazamento, o governador reforça a narrativa de que a família Bolsonaro estaria obtendo informações privilegiadas da Polícia Federal. Em entrevista à Folha, o empresário Paulo Marinho, suplente de Flávio Bolsonaro, afirmou que o senador foi avisado antes por um delegado da PF sobre uma investigação que atingiu seu ex-assessor Fabrício Queiroz.
Quem determina a prisão ou o impeachment de governadores?
Cabe ao STJ determinar a prisão dos governadores, que contam com foro privilegiado. Já as assembleias legislativas são responsáveis pelo rito do impeachment. Em fevereiro, deputados estaduais aliados de Bolsonaro chegaram a protocolar um pedido de impeachment de Witzel na Alerj.
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