Regina Duarte é processada por apologia da tortura, por fala em entrevista na TV

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Regina Duarte, ex-secretária especial da Cultura, está sendo processada por apologia da tortura pela filha do diplomata, editor e jornalista José Jobim, que foi torturado e morto pelas forças do governo militar, em 1979. A jornalista e advogada Lygia Jobim conta ter ficado “absolutamente estarrecida” ao assistir à entrevista da então secretária.

“É uma naturalização da tortura, um deboche com nossos mortos”, disse Lygia, que hoje tem os mesmos 69 anos que seu pai ao ser morto. “Fiquei dois dias com isso entalado na garganta. E então resolvi procurar a Justiça. Essa senhora me ofendeu. Fez pouco de algo que me afetou profundamente, que foi não poder me despedir de meu pai porque ele foi enterrado em caixão fechado devido às marcas da tortura”.

Procurada por telefone e WhatsApp, Regina Duarte não respondeu. Na entrevista em questão, concedida em 7 de maio à CNN, ela disse que “sempre houve tortura, sempre houve”. “Meu Deus, Stalin, quantas mortes? Hitler, quantas mortes? Se a gente for trazendo mortes, arrastando esse cemitério… Desculpe, mas não, não quero arrastar um cemitério de mortos nas minhas costas. Eu não desejo isso para ninguém. Eu sou leve, sabe? Eu estou viva, estamos vivos, vamos ficar vivos. Por que olhar para trás? Não vive quem fica arrastando cordéis de caixões”.

Dias depois, Regina Duarte escreveu um artigo no jornal O Estado de S. Paulo no qual se desculpava se “passei a impressão de que teria endossado a tortura, algo inominável e que jamais teria minha anuência, como sabem os que conhecem minha história”.

“Não é o suficiente”, afirmou o advogado Carlos Nicodemos, autor da ação movida por Lygia, em relação às desculpas de Regina. “Queremos uma retratação pública, cujo texto deverá ser definido em conjunto e veiculado em jornal de grande circulação. O teor do texto deve ser submetido a nós”.

A reparação inclui ainda o pagamento de R$ 70 mil por danos morais, divididos entre os dois réus, Regina Duarte e a União. “Esse valor não traduz o valor da ofensa, mas está dentro dos parâmetros da Superior Tribunal de Justiça”, disse o advogado.

“O mais importante é a retratação”, afirmou Lygia Jobim. “O dinheiro, eu sei que vai doer no bolso dela. Se receber algo, não ficarei com nada. Doarei metade para o Instituto Vladimir Herzog e a outra metade para o Instituto Marielle Franco”, contou.

Carlos Nicodemos foi escolhido para o processo porque seu escritório, NN Advogados Associados, tem experiência na área de direitos humanos. “A ação retoma a agenda em que vamos reafirmar a importância dos direitos humanos em relação aos prisioneiros políticos da ditadura. E que, neste caso, sofreu desvalorização moral, menosprezo e desdenho.”

José Jobim foi sequestrado nas ruas do Rio de Janeiro em 22 de março de 1979. Aposentado da carreira de diplomata, ela havia criado uma editora com a filha Lygia no início dos anos 1970. Um dos mais famosos livros publicados pela casa chamada Brasília foi “Zero”, de Ignácio de Loyola Brandão, lançado em 1975 e censurado em seguida.

Em 1979, Lygia estava grávida de seu primeiro filho com Ênio Silveira, editor da Civilização Brasileira. Já seu pai escrevia um livro em que denunciaria a corrupção na construção da usina de Itaipu. Como diplomata, José Jobim havia participado das primeiras tratativas para a compra das turbinas, anos antes, mas seguiu interessado no assunto e vinha reunindo documentos e reportagens, especialmente sobre o fato de a obra estar custando muitas vezes mais que o programado.

Uma semana antes do sequestro, José Jobim havia ido, na condição de ex-embaixador, à posse do general João Batista Figueiredo, em Brasília. Lá, segundo um amigo senador contou depois à família, Jobim disse a diversos presentes que estava escrevendo um livro sobre a corrupção de Itaipu. O senador chegou a arrastar Jobim para um canto e pedido juízo, pois os denunciados eram os mesmos que estavam ali na festa.

Trinta e seis horas após o sequestro, seu corpo foi encontrado ao lado de uma pequena árvore da Barra da Tijuca, com os pés no chão, mas com uma corda no pescoço que simulava um suicídio por enforcamento. Meses depois, a viúva e a filha se deram conta que todos os documentos e escritos referentes a Itaipu haviam sumido dos arquivos de Jobim.

Folhapress/Foto: Gabriela Biló/Estadão/Arquivo


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