Senado da Argentina discute projeto de reforma do Judiciário envolto em polêmicas

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Num país em que 73% dos cidadãos confiam pouco ou nada na Justiça, segundo dados da ONG Abogados de Pie, reformar o sistema judiciário poderia ser considerado uma prioridade.

Mas a proposta de lei para remodelar a área na Argentina, enviada pelo presidente Alberto Fernández ao Congresso na semana passada e que começará a ser discutida nesta quinta (27) no Senado, vem trazendo, em vez de alívio, dúvidas e polêmicas.

Entre diversos pontos, o projeto prevê a criação de uma nova instância federal que unifique os fóruns criminal e econômico. O primeiro conta com 12 juízes, e o segundo, 11. Na nova formação, haveria 46, sendo que os 23 novos magistrados teriam de ser nomeados - não se sabe de que maneira.

Também seriam unificados, em todo o país, os tribunais civis e comerciais, aos quais seriam somados mais de 90 novos juízes. Ao explicar a reforma, Fernández, professor de direito da Universidade de Buenos Aires - em licença enquanto exerce a Presidência M-, disse que é preciso "ampliar o número de juízes com capacidade de decidir os casos com relevância institucional e consequentemente midiática".

Nas manifestações recentes no país, gritos de guerra e cartazes mostravam que parte da população e muitos na oposição veem a proposta apenas como uma maneira de o Executivo controlar a escolha de juízes e, assim, livrar Cristina Kirchner e aliados de processos em que são acusados de corrupção.

A atual vice argentina, presidente entre 2007 e 2015, responde a sete ações e tem prisão preventiva pedida em duas delas. As ordens só não foram executadas porque Cristina goza de imunidade parlamentar.

Na Argentina, a nomeação de juízes se dá por meio do Conselho da Magistratura, do qual participam membros do Judiciário eleitos entre seus pares. Ainda que o Executivo do país tenha historicamente muita influência no órgão, a reforma propõe a criação de um Conselho Consultivo, que servirá como uma espécie de comissão para acompanhar e aprovar as escolhas junto ao Conselho da Magistratura.

Para um dos líderes da oposição, o deputado Mario Negri, da União Cívica Radical, o país se encontra em uma situação muito difícil, "em que as pessoas não sabem se vão morrer da peste [referindo-se ao coronavírus] ou da falta de comida". "E o governo quer desviar a atenção reformando a Justiça agora?", afirma ele em entrevista à Folha. "A maioria dos países do mundo debate como resolver a pandemia e suas consequências, e não como devem funcionar as cortes. Não é hora disso."

Fernández justifica a necessidade de apresentar o projeto agora porque considera necessário "superar a crise que claramente afeta a credibilidade e o bom funcionamento da Justiça federal".

O projeto ainda prevê uma reforma na Corte Suprema. Aqui, porém, não há consenso no texto. Uma das ideias é que o número de membros também seja ampliado - hoje o tribunal é composto por cinco juízes. Outra ideia é que sejam divididos por áreas, para, segundo o governo, facilitar a tramitação de casos.

Uma outra proposta de adendo ao projeto de lei gerou notas de repúdio de associações que representam veículos de imprensa, como a Adepa (Associação de Entidades Periodísticas Argentinas). O deputado kirchnerista Oscar Parrilli considera importante a inclusão de um artigo que pudesse "proteger os juízes da pressão da mídia", justificando que a cobertura de casos influencia a decisão dos magistrados.

Fernández, por sua vez, esquivou-se, dizendo que esse artigo não está na proposta original e só será incluído caso a Câmara dos Deputados o aprove.

Não é certo ainda que o projeto seja votado nesta quinta, o que dependerá do quórum no Senado, onde o governo tem maioria. Se passar por essa primeira votação, a proposta irá à Câmara, também com maioria peronista. Lá, no entanto, o presidente da Casa, Sergio Massa, aliado do governo, estima ser necessário convencer 11 deputados para que a reforma seja aprovada.

A coalizão de oposição Juntos por el Cambio, liderada pelo ex-presidente Mauricio Macri, derrotado por Fernández no ano passado, divulgou um comunicado repudiando a legislação.

"O objetivo da reforma é claro: criar uma instância a mais na área penal federal para prolongar processos, ditar nulidades e absolvições e garantir impunidade".

Macri, que está na França, pediu a congressistas aliados que vetem a proposta nas duas Casas. Já a coalizão governista, Frente de Todos, afirmou que a reforma será bem recebida porque "a Argentina tem uma dívida a saldar com a democracia".

Uma manifestação em Buenos Aires contra a reforma foi convocada pelas redes sociais. Os organizadores pretendem marchar do Obelisco ao Congresso, ambos na região central da capital argentina.

BN/por Sylvia Colombo | Folhapress


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