A água doce que queria ser mar

thumbnail foto Rodrigo Alves de Carvalho

Apenas dois homens conseguiram sobreviver ao terrível naufrágio em algum lugar na costa Asiática.

Após agarrarem uma boia salva-vidas foram nadando pelo mar um dia inteiro até conseguirem chegar a uma ilha deserta. Estavam na ilha há mais de uma semana à base de peixes e água de coco, pois não havia água potável no lugar. Foi aí que avistaram uma garrafinha boiando próximo às pedras, ao apanharem a garrafa plástica constataram ser água mineral.

Os dois homens ficaram num dilema para decidirem como iriam dividir aquela água, se beberiam um gole cada um alternadamente, se um tomaria a metade e depois o outro ou somente um deles beberia a água.

Sem uma resolução pacífica, os dois acabaram se atracando e o mais forte jogou a garrafinha d’água no mar. O outro caiu na água e foi nadando para alcançá-la, mas a maré estava forte e ele morreu afogado. Já o outro sobrevivente não aguentou muito tempo e também morreu na ilha.

Enquanto isso, a garrafinha d’água boiava sem rumo certo na imensidão do oceano.

- Quem é você?

Perguntou as gotinhas da água do mar à viajante enclausurada.

- Sou água doce de uma mina francesa. E vocês quem são?

- Somos a água do mar. Já fomos água doce como você, mas quando nos juntamos às nossas irmãs salgadas nos tornamos uma só família.

- Que legal! Eu também quero ser água salgada do mar, mas não consigo sair dessa garrafa!

- Que pena. Aqui é tão legal. Conhecemos um mundo incrível, as profundezas do oceano, peixes maravilhosos e ao mesmo tempo esquisitos e viajamos por vários países e continentes.

A água doce ouvia encantada todas as histórias que a água do mar lhe contava e sonhava em fazer parte daquele mundo de liberdade. Entretanto, presa naquela garrafa a única coisa a fazer era esperar o que iria acontecer.

Viajou por quase dois meses, pegou tempestades e sol forte, conheceu inúmeros peixes, baleias, golfinhos, pássaros e cada vez mais a água doce da garrafinha queria se libertar e se tornar como suas irmãs salgadas.

Numa tarde ensolarada a garrafinha d’água chega a um pequeno porto numa cidadezinha da indonésia. Um pescador barbudo e bastante rude encontra a garrafa boiando e a apanha.

A água doce se anima quando o pescador abre a garrafa. Ela imagina que o homem iria jogá-la no mar.

Mas o destino é outro e após cheirar o líquido, o pescador bebe a água em uma só golada.

Pobre água doce ao invés de conhecer o mar acabou conhecendo o interior daquele homem e no caminho até a bexiga perdeu algumas propriedades e ganhou outras.

Horas mais tarde ela percebe que algo iria acontecer e sem que esperasse é arremessada para fora em direção ao mar.

- Finalmente! Exclamou a água que outrora vivia na garrafa.

- Finalmente me encontrei com vocês minhas irmãs água salgada do mar e agora poderemos nos juntar como uma família...

A água salgada do mar respondeu secamente:

- Saí pra lá urina nojenta!

Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.


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