Quando eu era Juiz de Direito, em atividade, era chamado por algumas pessoas, pejorativamente, com o codinome de juiz marginal.
O epíteto não me era atribuído pelos leigos em Direito, o que seria menos doloroso, mas por profissionais que integravam o universo jurídico.
Isto porque, seguindo a consciência e por uma questão de foro íntimo, eu dava sentenças que, naquela época, não guardavam sintonia com o pensamento dominante e a jurisprudência dos tribunais superiores.
Esta visão do Direito não era, de forma alguma, partilhada, naqueles tempos distantes, pelos magistrados do andar de cima.
Não fosse o apoio entusiástico e a compreensão integral principalmente de três desembargadores – Carlos Teixeira de Campos, Mário da Silva Nunes e Homero Mafra – teria sido muito difícil resistir às pressões.
Porque tudo que eu fazia, era feito com retidão de propósito, o apelido de juiz marginal me magoava muito.
Certo dia veio-me a inspiração.
Por que eu não transformava a alcunha ofensiva em arma de defesa, de modo a desarmar os opositores?
Havia, dentre os que se opunham à conduta judicial adotada, pessoas de espírito nobre, que nada tinham de pessoal contra o juiz marginal, mas apenas discordavam de seus métodos.
Em homenagem a estes era preciso dar uma resposta racional e elegante aos questionamentos.
Tudo ponderado, como se diz no final das sentenças, escrevi um livro, defendendo a orientação adotada nos decisórios que estavam sendo atacados.
Dei ao livro este título: Escritos de um jurista marginal.”
Este livro desenvolve a tese de que os Movimentos Sociais não se submetem aos padrões do Direito estabelecido.
Em sociedades, como a brasileira, onde milhões de pessoa encontram-se à margem da Cidadania, os movimentos sociais estão sempre a criar direitos à face de uma realidade surda aos apelos de Direito e Dignidade Humana.
Se a realidade posta contentasse a percepção do que é justo e bom, não haveria razão de luta.
Em consequência, não haveria movimento social.
O que anima e dá razão de ser aos movimentos sociais é justamente a divergência entre o mundo posto e um projeto de mundo.
por João Baptista Herkenhoff