As abelhas e o agronegócio

SINDIVEG Colmeia Viva As abelhas e o agronegocio Credito PixabayAs atividades rurais deram um grande salto nesta última década: a expressão do momento é a “Agricultura 4.0”, que incorpora o conceito de uso da tecnologia para aumentar o rendimento, otimizar o tempo, reduzir os custos e o impacto ambiental. Em um cenário moderno, as abelhas não poderiam ficar de fora, já existe até uma espécie de “Uber de abelhas”, aplicativo que conecta agricultores e apicultores para fecharem serviços de polinização. A evolução envolve uma constante quebra de paradigmas, formação de novos conceitos e adaptações. Que tal conhecer essa nova tendência?

Mais do que uma parceria, as abelhas e o agronegócio representam maior lucro obtido por área de produção, seja pelo ganho em rendimento nas culturas que possuem alguma dependência por polinizadores ou nas que não possuem essa dependência, mas se beneficiam de sua presença. É o caso da soja – que lidera os rendimentos na exportação. Diante disso, pesquisadores encontraram aumento de produção que pode superar os 15%, a depender da variedade e condição de cultivo (de acordo com pesquisadores, esse incremento elevaria o valor estimado da produção em mais de US$ 5 bilhões). O ganho também pode ser indireto, como é o caso da produção pecuária: estudos da África encontraram maior rendimento reprodutivo do capim braquiária com a presença de abelhas – esta é a forragem mais usada nas pastagens no Brasil. Poderíamos sugerir outro impacto positivo indireto na pecuária, ao pensar na possibilidade de aumento na produção de grãos, e em como a oferta impacta o preço da ração para nutrição animal, sendo este outro ganho indireto fundamental para a viabilidade econômica na produção de aves e suínos, que têm grande peso na balança comercial.

A lista de vantagens da dupla “abelhas e agronegócio” é longa, e o mais importante é que nossas pequenas trabalhadoras não precisam ocupar uma área utilizada efetivamente para agricultura ou criação de outros animais. As abelhas podem ocupar as Áreas de Preservação Permanente (APPs) e as Reservas Legais (RLs), pois criá-las é uma atividade que preenche todos os requisitos de sustentabilidade. A Constituição Federal (1988) garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (capítulo VI, art. 225), bem como o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, e o Novo Código Florestal (Lei 12.651, de 25 de maio de 2012) evidencia a função social de preservação como estratégia da produção rural. Cuidar do ecossistema pode parecer um custo a mais para o produtor, mas, na verdade, pode ser uma nova possibilidade de renda, seja com a produção de mel e demais produtos das abelhas ou na parceria com um apicultor. Para o uso formal de uma área de preservação, seja para criação de abelhas ou outro tipo de utilização, pode ser feito um Plano de Manejo Sustentável a ser avaliado pelo órgão ambiental de seu estado.

Falamos sobre as vantagens de ter abelhas em sinergia com o agronegócio, mas por que algo vantajoso não é tão difundido? Pode parecer até mentira, mas a produção de mel na Argentina, país vizinho, é historicamente superior à brasileira. Se temos um território mais extenso e clima favorável, por que isso acontece? Alguns podem culpar as operações agrícolas em seu controle fitossanitário e alegar que existe muita mortalidade de abelhas, mas como explicariam o crescimento constante na produção de mel? Em 2020, o volume de mel exportado foi 52% maior que em 2019, assim como a produção de grãos teve aumento de 5,2%. Os fatos nos levam à conclusão de que existe uma grande barreira cultural, na forma de falta de interação entre quem se dedica às abelhas e quem se dedica as demais atividades rurais.

A barreira cultural, muitas vezes fixada entre as abelhas e o agronegócio, se deve a algumas características dessas atividades. Uma delas é que as abelhas (Apis mellifera) podem ferroar, o que causa certo preconceito em relação à criação. Outro ponto é que quando uma operação agrícola é malconduzida pode causar a mortalidade de abelhas, gerando prejuízo aos seus criadores. Em uma propriedade rural, a segurança é observada com muito zelo e acidentes com animais peçonhentos devem ser evitados. O comportamento defensivo das abelhas africanizadas é conhecido por ser, muitas vezes, fatal. Mas então o que seria mais seguro? Tê-las por perto com manejo adequado ou ignorar sua presença inevitável na natureza sem acompanhamento? Uma informação interessante do Ministério da Saúde é que o maior número de acidentes com abelhas no estado do Paraná, em 2017, foi registrado em Curitiba, que possuía no Censo Agropecuário de 2017 (atualizado em 2019) apenas 23 colmeias registradas, enquanto em Prudentópolis foram registrados apenas 7 casos de acidentes com abelhas – nesse município havia 21.207 colmeias no mesmo censo (número que, inclusive, representa a maior quantidade de colmeias entre as cidades do estado). Identificar e conhecer os riscos é o primeiro passo para evitar acidentes.

A agricultura do futuro clama por este relacionamento, porém cabe a nós torná-lo agradável e duradouro. Compreender as características possibilitará convivência harmônica e lucrativa. Podemos tornar o labor do campo mais doce ou ficar para trás: a evolução não espera ninguém.

Por Heber Luiz Pereira, apicultor, doutorado em zootecnia, consultor da HP Agroconsultoria e do Colmeia Viva, programa do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg).


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