Há exatamente 40 anos, o Brasil recebeu pela primeira vez a visita de um papa.
O protagonista foi o polonês Karol Wojtyla, o papa João Paulo 2º, que então chefiava a Igreja Católica havia um ano e dez meses. E a estreia no país, que tinha 89% da população como cristã católica, segundo censo de 1980, foi grandiosa.
Ao longo dos 12 dias em que esteve no Brasil, o papa mobilizou ao menos meio milhão de pessoas em cada uma das 13 cidades que visitou: Brasília, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Aparecida, Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Recife, Salvador, Belém, Teresina e Fortaleza.
Tudo começou em 30 de junho de 1980, ao desembarcar em Brasília, quando o pontífice fez seu gesto característico ao beijar o solo brasileiro. Recebido pelo presidente João Batista Figueiredo, João Paulo 2º deixou uma marca por onde passou.
Ele afagou nomes perseguidos pela ditadura militar, como dom Hélder Câmara, visitou presídio, hospital, favelas —até doou o anel pontifical ao padre Italo Coelho (pastoral das favelas), que foi levado à Catedral de São Sebastião e, depois, roubado.
Também deu voz aos fieis, como no momento em que leu faixa com a inscrição “Santo padre, o povo passa fome” e afirmou, em Teresina: “Pai Nosso, o povo passa fome”.
João Paulo 2º também recebeu Luiz Inácio Lula da Silva, à época sindicalista, em São Paulo.
“Tinha um pessoal do Exército que, na época, fazia a segurança do papa. Criou-se uma confusão tremenda, chovia muito. Marisa, eu e meu filho, Marcos, na rua, esperando que houvesse a decisão de nos deixar entrar. E o Frei Betto tentava ajudar, d. Paulo [Evaristo Arns] também, e nós ficamos esperando quase três horas até chegarmos a ter um encontro com o papa”, disse Lula, em 2005, quando da morte do papa.
Por outro lado, João Paulo 2º manteve as rédeas curtas da Igreja Católica , ao pregar aos bispos contra a radicalização ideológica, pela fidelidade contra o aborto e pelo veto a tudo o que se parecesse com partidarismo político.
Como a Folha publicou em um editorial, “nenhuma visita foi tão anunciada e nenhuma foi aguardada tanto” no país, carente naqueles dias de uma liderança serena e confiável.
Se ajudou a coroar a beatificação do jesuíta José de Anchieta (João Paulo 2º o tornou beato em 22 de junho de 1980) e teve momentos sublimes, como o encontro com Irmã Dulce, a visita marcou a morte de três pessoas —Violeta Maria de Abreu, uma jovem de apenas 17 anos, com o pescoço quebrado, Maria de Lourdes Farias, por asfixia, e Teresa Olivânia de Oliveira, por afundamento de tórax. O papa lamentou as mortes.
A passagem do pontífice pelo país também deixou cem feridos em Fortaleza, após uma multidão quebrar o portão do estádio Castelão, provocar corre-corre e prensar os fieis.
João Paulo viu em certos momentos, como no estádio do Morumbi, em São Paulo, a visita ganhar ares de luta pela democracia e prometeu voltar. “Eu disse que era hora de dizer adeus. Mas não: digo-vos apenas até breve. E, pensando bem, digo: até logo. Até logo, se Deus quiser.
A volta foi rápida, já que em 1982 ele discursou no aeroporto do Galeão, no Rio, em escala de viagem para a Argentina.
Mas uma nova visita, como a de 1980, demorou 11 anos, com João Paulo já mais debilitado, e o Brasil, como contou o jornalista Clóvis Rossi na Folha, já não tão católico e com pior cenário econômico —o Brasil ficou 4% mais pobre em relação a 1980, e os católicos agora eram 83,3% da população, segundo o censo.
João Paulo 2º ainda veio em 1997 ao que Nelson Rodrigues antecipara que seria “o maior país de ex-católicos do mundo” —no final dos anos 90, os católicos no Brasil eram 73,8%.
Folha de S.Paulo/Foto: Divulgação