O grupo Prerrogativas, formado por advogados e juristas, saiu em defesa da juíza Valdete Souto Severo, após o corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, determinar instauração de pedido de providências para que a magistrada prestasse informações a respeito de um artigo crítico ao governo.
A magistrada é do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, no Rio Grande do Sul, e preside a Associação Juízes para a Democracia (AJD). Ela publicou texto, no último dia 20, intitulado “Por que é possível falar em política genocida no Brasil de 2020?”, em que eram debatidos aspectos da administração pública brasileira no enfrentamento da pandemia do novo coronavírus.
O Prerrogativas afirma, em nota, que a iniciativa “parece grave e merece ser abordada em distintos aspectos”.
“O primeiro – e de indispensável destaque – é a necessária defesa contra a agressão à liberdade de expressão, garantia constitucional que se imbrica com as razões de existir de nosso grupo: a defesa da democracia, das liberdades públicas, especialmente a de expressão e opinião, que jamais se desprendem dos cidadãos, ainda que ocupem cargos públicos”, diz o texto.
“Há também outra preocupação: a utilização do poder disciplinar como tentativa de exercício do controle do pensar, do agir e do falar dos magistrados”, diz a nota.
Leia a íntegra da nota do grupo Prerrogativas
“O Grupo Prerrogativas vem a público manifestar sua solidariedade à juíza Valdete Souto Severo, contra quem o Corregedor Nacional da Justiça instaurou um procedimento denominado “Pedido de Providências”, com claro propósito disciplinar, em virtude de manifestação em artigo publicado na Internet em que se debatiam aspectos da administração pública brasileira quanto ao enfrentamento da pandemia do vírus COVID-19, tema central da atualidade.
A iniciativa parece grave e merece ser abordada em distintos aspectos.
A atividade censória da Corregedoria Nacional da Justiça não se confunde com atividade persecutória nem autoriza censura de expressão e opinião dos magistrados, muito menos quando seletivamente aplicada apenas aos que são críticos ao governo de turno.
Lembra-se, no caso particular vivenciado, que a magistrada é professora de instituição federal de ensino, a UFRG, gozando de liberdade de cátedra que não se põe ao alcance da atividade correicional.
Observa-se, também, que tais iniciativas são comunicadas primeiramente aos meios de comunicação social e somente depois aos alcançados pelos procedimentos, o que, longe de constituir transparência da administração judiciária, indicia uma espécie de atuação espetaculosa, seletiva, descabida e perigosa para a democracia.
É de considerar, também, que a tentativa de imposição de punição disciplinar com base no conteúdo de uma crítica representa, ao mesmo tempo, uma forma de expressão diametral de concordância e apoio à postura ou ideia criticada, não deixando, pois, de incorrer na mesma prática que se pretende punir.
Não nos esqueçamos, ademais, o silêncio perpetrado pelas instituições Judiciárias com relação a tantos atos recentes que se valeram da via judicial para agir politicamente.
Além disso, nos tempos que correm, o silêncio quanto a questões vitais que preservam as vidas e a coesão social baseada na efetividade dos Direitos Humanos e Fundamentais é incompatível com a cidadania, que deve ser exercida por todos, sobretudo pelos juízes, sobre os quais pende a responsabilidade de preservação dos valores civilizatórios historicamente conquistados.
Por isso, é fundamental que o Conselho Nacional de Justiça garanta a independência da magistratura e obste tais intentos persecutórios, em prestígio ao sistema constitucional de asseguração de direitos e garantias fundamentais, que não excluem a cidadania dos juízes.
Cidadãs e cidadãos importam!”.
Mônica Bergamo/Folhapress