Técnicos do Ministério da Agricultura (Mapa) identificaram diferentes tipos de microrganismos, como fungos, ácaros e bactérias, nas sementes que têm chegado de países asiáticos, principalmente da China, e entregues em diferentes endereços pelo Brasil.
Os pacotes são enviados pelo correio, como brindes de outras compras feitas pela internet ou mesmo de forma aleatória, sem que o destinatário encomendado nada do exterior.
Desde agosto, quando um primeiro destinatário do Rio Grande do Sul notificou oficialmente as autoridades, o Mapa já recebeu 258 embalagens de moradores de quase todo o Brasil, número que tem crescido a cada dia. Apenas os estados do Maranhão e Amazonas ainda não possuem registros oficiais de recebimento dos pacotes.
Na semana passada, a embaixada chinesa se pronunciou sobre o caso e disse ver indícios de fraude em etiquetas de sementes recebidas e se colocou à disposição para ajudar na investigação.
Até agora, 39 amostras provenientes de quatro países asiáticos já foram previamente analisadas pelos técnicos do Laboratório Federal de Defesa Agropecuária de Goiânia (GO). Em 25 delas foram encontrados três diferentes tipos de fungos, uma delas continha uma espécie de ácaro vivo e em duas constatou-se a presença de uma bactéria.
Entre as espécies de sementes coletadas, quatro foram identificadas como possíveis pragas quarentenárias, ou seja, podem ser plantas daninhas.
Como os técnicos não concluíram a análise completa das sementes, ainda não é possível dizer o risco de contato com o material. "Não temos elementos para afirmar que é uma ação intencional para introduzir algum organismo patogênico ou prejudicial para a agricultura, mas o risco existe, tanto é que os primeiros resultados apontam que precisamos aprofundar as investigações e chegar até a identificação das espécies", afirmou José Guilherme Leal, secretário de Defesa Agropecuária.
As sementes misteriosas podem ser uma ameaça à agricultura e ao meio ambiente brasileiros, já que novas espécies podem trazer consigo pragas, insetos e doenças ainda inexistentes no país. Assim, pode haver necessidade de controle com agrotóxicos, levando a uma maior contaminação ambiental e ao aumento de custos na produção agrícola.
As autoridades não excluem também potenciais perigos das sementes para os seres humanos. "Como é um material sem controle, não sabemos se foi tratado com algum produto químico ou se a semente é tóxica. Alguém distraído pode por a semente na boca, mastigar ou mesmo intoxicar um animal doméstico", ressaltou Leal. "Quando a gente trabalha com risco desconhecido, o alerta é máximo", completou Carlos Goulart, diretor de Sanidade Vegetal e Insumos Agrícolas.
O Ministério e os órgãos estaduais têm orientado para que o material não seja aberto, descartado e utilizado. Quem receber as sementes deve contatar a instituição agrícola do seu estado ou a unidade do Mapa mais próxima para o recolhimento do produto.
Ainda que as tenha plantado, não é necessário se identificar para entregar as sementes, já que não haverá sanções. O Mapa quer saber apenas como o pacote chegou até o destinatário.
A apuração completa do material, que envolve o sequenciamento genético das plantas e o desenvolvimento dos microrganismos em laboratório para coleta suficiente de amostras, deve demorar pelo menos mais 30 dias, segundo o Mapa.
Chamou a atenção das autoridades sanitárias o aumento de apreensões já nos Correios de pacotes identificados com materiais sem certificação, incluindo sementes. Até o ano passado, eram em média 2.000 casos mensais. No primeiro semestre de 2020, o número subiu para 5.000 apreensões por mês.
Só neste ano, 33.700 embrulhos foram identificados como potencialmente ilegais. Entre eles, 26.111 foram destruídos e 2.383 devolvidos à origem. O restante dos 5.206 pacotes foi liberado mediante comprovação de certificação no Brasil. "Houve sim alguma mudança no comportamento [de envio] dessas remessas postadas neste ano", disse José Luís Vargas, diretor de Serviços Técnicos.
O Ministério está em contato com órgãos fitossanitários dos países asiáticos que devem ajudar na identificação dos remetentes dos pacotes. Também tem trocado informações com países que já receberam esse tipo de remessa, como os Estados Unidos. Por enquanto, a investigação continua na esfera administrativa, mas pode envolver outros órgãos, como a Polícia Federal.
Outros países do mundo, como Portugal e Canadá, também já emitiram alertas sobre o recebimento de sementes da Ásia. Em julho, agricultores dos Estados Unidos denunciaram o caso.
Autoridades do país cogitam a hipótese de vendedores chineses usarem dados e endereços de consumidores americanos que compram pela internet para fazer vendas falsas e, com isso, aumentar a classificação positiva dos seus produtos em sites de compra e venda.
Essa estratégia é também conhecida como "brushing" e tem por objetivo inflar artificialmente o número de vendas da loja. Ao enviar produtos de baixo valor ou caixas vazias, a empresa burla o sistema que classifica as empresas por suas transações, alcançando uma melhor colocação no ranking.
Segundo o Mapa, entre os outros países que já avançaram na identificação dos produtos, a hipótese de prática de brushing não é a única trabalhada pelas autoridades.
Folha Press