Se o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), endossa as medidas de isolamento social recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde) contra o coronavírus e se opõe ao chefe, Jair Bolsonaro (sem partido), a rede de parlamentares e influenciadores que serve de base ao presidente encontrou outra opinião para se ancorar, a do ex-ministro e deputado federal Osmar Terra (MDB-RS).
Pelo Twitter e em grupos de WhatsApp, se espalham vídeos e áudios do ex-ministro, que esteve à frente da pasta da Cidadania até fevereiro. Mesmo demitido, ele manteve influência sobre o presidente na atual crise.
Terra, que é médico como Mandetta, diz que apenas idosos e grupos de risco devem ser isolados —o restante da população deveria voltar a trabalhar imediatamente.
É a opinião externada por Bolsonaro e contrariada não só pela OMS e por especialistas em pandemia, mas pela maioria dos líderes mundiais, inclusive o presidente americano, Donald Trump. Itália e Reino Unido, antes favoráveis a esse isolamento menos restrito, voltaram atrás diante do avanço dos casos da doença.
Terra tem apresentado como credenciais o fato de ter sido secretário de Saúde do Rio Grande do Sul durante a pandemia do H1N1, em 2009. Diz que o coronavírus vai matar no máximo 2.000 pessoas no Brasil, estimativa menor que a de muitos analistas.
Para ele, o isolamento social não reduz as mortes, e o achatamento da curva de contaminação é uma teoria que não existe na prática. “Medidas como suspensão de aulas e quarentena total são só de cunho político, não tem evidência científica”, tuitou.
Em áudio que circulou por grupos bolsonaristas na semana passada, Terra diz que “não se orienta a população disseminando pânico”. “O isolamento social não resolve nada. Já está disseminado o vírus. Todas as epidemias duram em torno de 13 semanas”, afirmou.
O ex-ministro diz ainda que a quarentena irá destruir a economia, o que impactará a arrecadação e, consequentemente, o financiamento do SUS. “Muita gente vai poder morrer por falta de recurso público”, afirma.
Foi suficiente para ser exaltado e compartilhado nas redes bolsonaristas, que criaram a hashtag #OsmarTerraTemRazão.
Logo antes da pandemia, publicações de Terra no Twitter sobre assuntos diversos alcançaram até 4.500 curtidas, enquanto suas considerações sobre o vírus chegam a bater de 20 mil a 30 mil. No Facebook e no Instagram, o ex-ministro vive o pico de aumento dos seus seguidores em um ano —de 22 mil a 25 mil e de 9 mil a 15 mil, respectivamente.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) foi um dos que ampliaram a voz de Terra. “Recessão pode ser mais prejudicial do que o coronavírus em si”, escreveu. O ex-ministro também foi compartilhado por veículos bolsonaristas como o Terça Livre.
“Até agora foi a posição de um médico mais sensata que ouvi”, disse o deputado estadual Frederico D’Avila (PSL-SP) sobre o áudio.
Ao mesmo tempo, o ex-ministro passou a receber críticas nas redes e ganhou o apelido de “Osmar Terra Plana”. Foi também alvo da produção de fake news —teve um vídeo divulgado como se fosse uma fala do cardiologista Adib Jatene, morto em 2014.
Ao ser escolhido como autoridade científica preferida do bolsonarismo, Terra passou a ser visto como potencial substituto de Mandetta, que se equilibra entre defender o isolamento e fazer concessões ao discurso de Bolsonaro enquanto é exposto à fritura pública pelo presidente.
O ex-ministro, contudo, evita endossar esse confronto. Diz que suas opiniões não estão baseadas em interesse pela cadeira e que essa suposição serve para desqualificá-lo. Em debate no UOL nesta terça-feira (31), Terra fez elogios a Mandetta e afirmou que o ministro é qualificado, mas que discorda dele em relação à quarentena.
Procurado pela Folha, Terra não quis se manifestar
Folha de S.Paulo/Foto: Divulgação