A chuva repentina e fria começou a cair em pingos grandes assim que Domingos saiu da padaria onde tomou um pingado.
Agora vários pingados da chuva batiam-lhe as costas e nessa hora Domingos se arrependeu amargamente da decisão que tomará de manhã ao sair de casa quando olhou o céu encoberto da alvorada, mas apostou que uma chuva forte não cairia naquele dia, talvez à tarde, talvez quando estivesse de volta em casa. Por isso preferiu não levar o guarda-chuva e agora se pergunta o porquê dessa fatídica decisão.
A chuva desaguava sobre a cidade, obrigando as pessoas se esconderem em baixo de marquises das lojas e se espremerem uma as outras contra as vitrines para não levarem rajadas de água soprada pelo vento.
Domingos caminhava apressado procurando um abrigo escasso de uma marquise também, continuou caminhando até que encontrou uma porta aberta entre duas lojas de departamentos. Nunca tinha prestado atenção nessa porta e sequer tinha noção que entre as lojas existia alguma coisa.
Entrou pela porta e seus olhos rapidamente tiveram que acostumar da claridade daquele dia nublado para uma tênue luz que clareava um cômodo que cheirava a mofo e coisa velha.
Quando finalmente seus olhos conseguiram focar o ambiente ao redor, percebeu que o local estava repleto de livros.
Havia livros por todos os cantos, em cima de mesas, em estantes que iam até o teto, sobre cadeiras e até mesmo espalhados pelo chão.
Domingos ficou impressionado com a quantidade de livros, acreditou estar em um Sebo, essas lojas que vendem livros usados a preço bem baratinho.
Tantos livros haviam naquele lugar, mas nenhuma viva alma.
Domingos nunca foi de ler e nem ligava muito para isso, preferia assistir futebol, filmes de ação e xingar todo mundo em noticiários sensacionalistas.
Como a chuva ainda caia lá fora, sentou-se numa cadeira velha e apanhou um livro que estava no chão. Começou a ler “Cem anos de solidão” de García Márquez.
Domingos leu sem parar, sem pensar na chuva, na vida, apenas leu. Depois pegou outro livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas” de Machado de Assis. Ele leu e riu, riu sem parar, sem pensar na chuva, nas tristezas da vida. E depois leu outro e outro e outro...
Até hoje Domingos continua lendo. Até hoje sentado numa cadeira velha deixa seus problemas, suas alegrias e tristezas para ser apenas um leitor, um apaixonado por histórias de livros enquanto espera a chuva passar.
Rodrigo Alves de Carvalho nasceu em Jacutinga (MG). Jornalista, escritor e poeta possui diversos prêmios literários em vários estados e participação em importantes coletâneas de poesia, contos e crônicas. Em 2018 lançou seu primeiro livro individual intitulado “Contos Colhidos” pela editora Clube de Autores.