Crônica: O Mata-burro 

thumbnail foto Rodrigo Alves de Carvalho

O prefeito Manoel da Silva Milito se encontrava eufórico, pois o candidato a deputado que ele iria apoiar naquelas eleições, estava prestes a chegar. 

Quando o helicóptero do candidato pousou no pequeno campo de futebol da cidade, praticamente todos os moradores estavam presentes, talvez mais pela curiosidade de ver um helicóptero de perto do que pelo candidato. O prefeito o recebe e logo o apresenta a todos. 

— Meu povo querido! Esse homem que desceu do céu, direto para nossa cidade será a personificação de cada um de vocês na Assembleia. Nossa cidade há muito tempo carecia de um deputado que realmente abraçasse a causa de nossa urbe. Por isso, estou apoiando o candidato Deoclécio Figueira. Esse é o homem! 

A população em polvorosa aplaude o prefeito e o candidato sorridente e endinheirado. 

Com toda essa fascinação do povo com Deoclécio Figueira, o resultado não poderia ser outro, e no dia da apuração o candidato foi eleito, e só naquela cidade conseguiu 95% dos votos. Somente os opositores mais severos ao prefeito Manoel Milito não votaram em Deoclécio. 

Uma festa nunca antes vista na cidade promovida pelo prefeito com dinheiro público durou dois dias e consagrou o homem que, segundo Manoel Milito, iria revolucionar aquela pequena cidade. 

Um ano se passou e Deoclécio não mais colocou os pés naquele lugar (e nem sobrevoou). A oposição estampava toda semana críticas ferrenhas ao prefeito e ao deputado num jornalzinho de fundo de quintal. O prefeito se defendia no jornal oficial da cidade, pago com dinheiro público. 

Com um ano e meio de mandato do majoritário Deoclécio Figueira, nem uma bala havia sido encaminhada para a cidade.  

Manoel Milito apenas respondia: 

— Isso é intriga da oposição! Jogo político para me derrubar! Mas o povo está comigo e quem está comigo está com Deus. 

Mais um ano e meio e nada do deputado Deoclécio. Toda vez que o prefeito entrava em contato, era a mesma conversa. 

— Calma velho amigo. Já estou com um projeto para a cidade e já vai sair. É coisa boa. 

O prefeito logo tratava de espalhar a notícia de que o deputado estava trabalhando e em breve teriam novidades. 

Entra o ano eleitoral e a oposição havia crescido. Mesmo reeleito nas últimas eleições municipais, Manoel tinha perdido muitos aliados e agora somente um milagre para o deputado Deoclécio se reeleger majoritariamente de novo. 

Com tais circunstâncias, o prefeito viaja pela primeira vez para a capital no intuito de se encontrar com Deoclécio. Dois dias depois volta com o sorriso no rosto e boas novas para a população. 

— Não falei que o nobre deputado Deoclécio Figueira estava batalhando pelo nosso progresso e desenvolvimento! Que a oposição cale a boca agora! 

A população estava curiosa para saber qual seria o projeto, as verbas, as emendas ou o que fosse para o progresso e desenvolvimento. 

Três semanas depois, uma carreata e um buzinaço anunciavam a chegada de um mata-burro, que fora encaminhado à cidade graças a um projeto de cunho desenvolvimentista, com verbas estaduais conseguidas pelo deputado Deoclécio Figueira. O pior é que muitos moradores participaram do buzinaço e da festa promovida pelo prefeito com dinheiro público. 

Enquanto isso, vereadores da oposição discutem na Câmara em caráter urgentíssimo se o festejado mata-burro será instalado em frente à prefeitura ou na frente da casa do prefeito Manoel Milito. 

Por Rodrigo Alves de Carvalho 


Imprimir