Ainda que o cenário esteja incerto quanto ao conflito entre Rússia e Ucrânia, o entorno do presidente Jair Bolsonaro (PL) avalia que o posicionamento do Brasil não trará impacto eleitoral.
O chefe do Executivo tem sido cobrado por integrantes do mundo político e por comentários em redes sociais a condenar os ataques dos russos —ele esteve no último dia 16 com Vladimir Putin em Moscou.
Seus prováveis adversários na disputa pela Presidência da República neste ano têm criticado tanto a guerra quanto a neutralidade que Bolsonaro tem adotado até o momento.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), à frente nas pesquisas de intenção de voto, criticou Bolsonaro. “Até em coisas sérias, ele mente, disse que tinha conseguido a paz ao viajar para a Rússia”, afirmou. Já Ciro Gomes (PDT) classificou o governo como “frágil, despreparado e perdido”.
Ex-ministro da Justiça, Sergio Moro repudiou a guerra, ainda nesta quinta-feira (24). “No conflito entre Estados Unidos, União Europeia e Rússia, com esta invadindo a Ucrânia para subjugar a liberdade de um povo, Bolsonaro optou por apoiar a Rússia, sob os aplausos do PT. Precisamos mudar isso e alinhar o Brasil ao lado da liberdade e das democracias”, disse nesta sexta (25).
Interlocutores no Planalto já esperavam que seus adversários usassem a guerra para atacar Bolsonaro, mas eles não demonstraram preocupação com isso até o momento.
A avaliação é que apoiadores do presidente estão dispersos e que ainda não há um discurso uníssono a respeito disso nas redes bolsonaristas.
O que eles têm insistido é em dizer que as coisas seriam diferentes se o ex-presidente americano Donald Trump, de quem Bolsonaro era admirador, estivesse ainda no poder. Ele foi derrotado por Joe Biden em 2021.
Bolsonaro resiste em condenar diretamente a Rússia, em especial por dois motivos, segundo interlocutores no Planalto. Primeiro, porque ainda há cerca de 500 brasileiros em Kiev aguardando para deixar o país.
O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, o foco é resgatá-los. “Nosso foco é proteger os brasileiros e tirá-los de lá o mais rápido possível”.
O segundo motivo são os fertilizantes: 62% das importações brasileiras da Rússia são desse produto. Este foi, inclusive, o principal motivo da viagem de Bolsonaro para Moscou na semana anterior.
O temor de que o conflito possa impactar a importação de fertilizantes já acendeu alerta em congressistas da bancada ruralista, alinhados ao Planalto. A preocupação incide especialmente sobre o cloreto de potássio. O cloreto de potássio subiu 153% no ano passado.
O agronegócio, em grande parte, compõe o eleitorado do presidente.
O chefe do Executivo passou a maior parte da quinta evitando comentar o conflito. À noite, em transmissão semanal em suas redes sociais recebeu o ministro das Relações Exteriores, Carlos França.
O presidente voltou a afirmar que defende a paz. Também minimizou a visita a Putin dias antes do ataque da Rússia.
“Viajamos em paz para a Rússia. Fizemos contato excepcional com o presidente Putin. Acertamos a questão de fertilizantes”, disse.
Mas Bolsonaro não deixou de repreender o vice-presidente Hamilton Mourão, que mais cedo havia dito não concordar com o ataque feito pelo governo Putin.
O vice-presidente também defendeu que os países ocidentais forneçam ajuda militar à Ucrânia e afirmou que o Brasil não está neutro. Chegou ainda a comparar o ataque russo à Alemanha hitlerista e disse que Putin não pararia os ataques apenas com sanções.
“Quem fala sobre o assunto é o presidente da República, e chama-se Jair Bolsonaro. Com todo o respeito, a essa pessoa que falou isso está falando algo que não deve, não é de competência dela”, disse o presidente.
O Ministério da Agricultura já trabalha com múltiplos cenários. Está preocupado, entre outras coisas, com a exportação de grãos, como soja, além de carne para os países em guerra.
Mas o principal alerta na pasta de Tereza Cristina é com a crise dos fertilizantes. Portanto, se a Rússia optar por retaliar o Brasil com esses produtos, a ministra traçou planos A e B já, segundo contou à coluna da Mônica Bergamo.
“O ministério avalia que, como o mundo todo, sofreremos impactos. Mas ainda não está claro o tamanho deles”, diz a ministra da Agricultura, Tereza Cristina. “É preciso tranquilidade e cautela. Temos muitas alternativas, e já estamos estudando todas elas. Temos plano A e plano B”.
A ministra participaria da comitiva presidencial a Moscou, mas não pode embarcar, porque contraiu Covid-19 pela segunda vez. Mas, ainda assim, foi ao Irã depois de curada com o objetivo de discutir oferta de fertilizantes.
No ano passado, ela já havia viajado para a Rússia com o objetivo de contornar o que já tinha se mostrado como um problema, e aumentar o fornecimento dos produtos. A falta de fertilizantes pode impactar até mesmo o preço de alimentos neste ano —o que seria um prejuízo eleitoral para Bolsonaro.
Marianna Holanda/Julia Chaib/Folhapress