O delegado Paulo Maiurino foi substituído no comando da Polícia Federal, na sexta-feira (25), no momento em que sua equipe buscava explicações para a queda brusca no número de prisões efetuadas no âmbito de operações de combate à corrupção durante sua gestão.
Maiurino assumiu a PF em abril de 2021, ano em que foram registradas 164 prisões, queda de 60% em relação às 411 efetuadas em 2020.
Os números mostram que as prisões vêm caindo desde o primeiro ano do governo Jair Bolsonaro (PL), mas despencaram na gestão do agora ex-diretor.
A reportagem teve acesso a duas mensagens do coordenador de Combate à Corrupção, Isalino Giacomet, enviadas após uma consulta informal feita com delegados que atuam nessa área em superintendências estaduais. Nelas, Giacomet, da equipe de Maiurino, reconhece a redução do número de prisões.
“De fato, desde 2018, segundo dados obtidos no sistema Palas [da Polícia Federal], as prisões nos casos de corrupção vêm caindo ano a ano progressivamente, de 668 em 2018, 486 em 2019, 411 em 2020 e apenas 164 em 2021”, diz o delegado.
Se comparado 2021 com 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, a queda é de 66%. O recuo é ainda maior, pouco mais de 75%, se levado em conta 2018, ainda no governo Michel Temer (MDB) e com Rogério Galloro na direção da PF.
As mensagens de Giacomet foram enviadas a colegas no último dia 16, um dia depois de a PF divulgar uma nota para rebater as acusações de Sergio Moro sobre a queda nas ações de combate à corrupção.
Ao responder Moro —ex-juiz da Lava Jato, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro e agora candidato a presidente da República pelo Podemos—, a atual gestão empurrou a PF para o debate eleitoral.
Nesse cenário, os números do órgão serão munição, principalmente na disputa entre o ex-juiz, que pretende defender sua gestão no Ministério da Justiça, e Bolsonaro.
Como resposta de uma primeira conversa com delegados, antes de enviar as mensagens, a cúpula da PF recebeu indicações de que mudanças na lei e na atuação do Judiciário, após problemas com a Lava Jato, teriam puxado os números para baixo.
Na primeira mensagem, o coordenador afirmou já ter feito a “sondagem” com delegados chefes de delegacias que cuidam do tema para conhecer a “percepção das unidades descentralizadas sobre o tema relacionado à obtenção de prisões em operação policiais contra corrupção e desvio de verbas públicas”.
O delegado lista, em oito tópicos, “dificuldades que demonstram essa redução nas prisões”, coletados até o momento nas conversas com investigadores.
Três deles abordam a atuação do Judiciário nos casos. Um tópico é dedicado à figura dos juízes e diz que o perfil atual é mais resistente a prisões, “em especial após recentes reveses de decisões judiciais, sobretudo no âmbito da Operação Lava Jato”.
Outro ponto apresentado é a necessidade de demonstração de contemporaneidade do crime, o que dificultaria prisões em investigações de casos relacionados a fatos antigos.
Por fim, sobre o Judiciário, a opinião coletada na sondagem foi de que a prisão deve ser voltada para crimes violentos.
A lista na mensagem do delegado cita ainda duas mudanças legislativas nas explicações para a queda nas prisões. Para os delegados, as limitações impostas pela lei do abuso de autoridade e pelo pacote anticrime também impactaram a quantidade de prisões.
“O standard probatório para justificar a prisão provisória tornou-se muito alto, ainda mais com a preferência legal de substituir a prisão por medidas cautelares diversas da prisão, tornando a prisão preventiva uma cautelar extremamente excepcional”, diz um dos tópicos.
No tópico de número 6, a mensagem aborda como possível causa a “postura mais acomodada de alguns membros do Ministério Público em alguns estados que atuam com casos de corrupção”.
Giacomet argumenta que os números de prisões caíram em um cenário de aumento no número de operações de combate à corrupção.
“Convém destacar que em 2021 a quantidade de operações policiais (especiais e comuns) contra corrupção e desvio de verbas públicas foi a segunda maior da história da PF, só ficando atrás do ano de 2020”, afirma.
Segundo a PF, em 2021, foram realizadas 182 operações especiais e comuns de combate à corrupção contra as 250 em 2020, 173 em 2019, 166 em 2018 e 168 em 2017.
Após mostrar o cenário delineado pela sondagem e dizer que a direção também tem suas opiniões para a queda, as “quais não foram compartilhadas previamente com os colegas para a não indução de respostas”, o coordenador solicita uma segunda mensagem de dados estaduais.
Ele pede o resgate de todas as operações especiais, prisões temporárias e preventivas solicitadas independentemente da decisão do juiz e a quantidade de pedidos de medidas cautelares diversas da prisão, como afastamento da função, registrados desde 2019.
Para o delegado, o levantamento ajudará a “diagnosticar a atuação da PF nesse assunto”.
Nesta sexta, quando a cúpula da PF foi surpreendida pela demissão de Maiurino, Giacomet ainda aguardava os dados solicitados.
Questionada sobre a sondagem, a PF afirmou que “está consolidando dados e percepções práticas nas unidades regionais para melhor compreender os motivos que levaram à variação na quantidade de prisões”.
Segundo o órgão, as informações irão fornecer “elementos empíricos para melhor interpretar tal fenômeno”.
Sobre a indicação de que a queda tem relação com a atuação do Judiciário, a PF afirmou ser natural que nem todos os pedidos de prisão tenham decisão favorável.
“O Judiciário, como destinatário dos pedidos de medidas restritivas formulados pela Polícia Federal, exerce papel essencial no contrapeso entre a repressão estatal contra o crime e os direitos individuais das pessoas”, diz a nota.
DIRETORES PF NO GOVERNO BOLSONARO
Maurício Valeixo
Indicado pelo então ministro Sergio Moro, ficou no cargo de janeiro de 2019 até abril de 2020, quando Moro pediu demissão. O delegado era um conhecido investigador na PF e foi o diretor de Investigação e Combate ao Crime Organizado durante a Operação Lava Jato. Também foi superintendente no Paraná
Alexandre Ramagem
Chegou a ser indicado por Jair Bolsonaro, mas teve a nomeação barrada por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal
Rolando de Souza
Após o problema com o STF, Souza foi indicado por Ramagem para ocupar o cargo e nomeado por Jair Bolsonaro. Ele ficou entre maio de 2020 até abril de 2021
Paulo Maiurino
O delegado foi indicado por Jair Bolsonaro em abril de 2021. Sem passagens por cargos importantes na PF, Maiurino chegou ao posto pelo bom trânsito político. Ele foi chefe da segurança do STF na gestão de Dias Toffoli
Márcio Nunes
Nomeado nesta sexta (25) era o secretário-executivo do Ministério da Justiça. Foi indicado pelo ministro da Justiça, Anderson Torres. De perfil discreto, o delegado passou por quase todos os níveis hierárquicos dentro da PF. Foi chefe de delegacia, de setor, de divisão e, antes de assumir o cargo na Justiça, era superintendente no Distrito Federal
Estadão Conteúdo