A 19ª edição aconteceu nesta sexta-feira na sede da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan)
Mais de mil pessoas pessoas celebraram a 19ª Festa da Colheita do Arroz Agroecológico, realizada na sede da Cooperativa de Produção Agropecuária Nova Santa Rita (Coopan), no Assentamento Capela, na região Metropolitana de Porto Alegre (RS), nesta sexta-feira (18). Após dois anos, por conta da pandemia, o evento voltou a acontecer presencialmente.
Nesta safra, as famílias camponesas esperam colher 15,5 mil toneladas de arroz orgânico, cerca de 310 mil sacas de 50 kg do produto, em aproximadamente 3.196.23 hectares, segundo Martielo Webery, do setor de comercialização da Cooperativa dos Trabalhadores Assentados da Região Porto Alegre (Cootap)
Organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), a festa é realizada anualmente no Rio Grande do Sul, onde há a maior área plantada de arroz orgânico do país.
O MST também é considerado o maior produtor de arroz orgânico da América Latina, e segue nessa posição há mais de 10 anos, de acordo com o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga).
Conforme o assentado Marildo Mulinari, que faz parte da coordenação do Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, o evento tem o objetivo de celebrar com a sociedade gaúcha a produção orgânica, que é uma alternativa viável diante do cenário de fome e de crises que o país enfrenta, sobretudo a ambiental.
“Temos muito orgulho do projeto de agricultura que construímos, com respeito à vida, às pessoas, à natureza. A nossa produção também é de solidariedade, doando comida a quem precisa de ajuda para não passar fome”, disse.
A assentada Seleni de Lima, moradora do Assentamento Filhos de Sepé de Viamão, comenta que celebrar os resultados da produção fortalece o trabalho que as famílias do MST fazem há mais de 20 anos. Como produtora de arroz orgânico, ela ressalta que foi a organização coletiva que levou o movimento a ser referência na cadeia produtiva, e que as mulheres também têm protagonismo.
“Nós estamos inseridas na produção diretamente ou indiretamente, seja dando suporte para os companheiros trabalharem na lavoura, seja no banhado, dirigindo trator e semeando”, relata.
Temos muito orgulho do projeto de agricultura que construímos, com respeito à vida, às pessoas, à natureza.
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Chegando próximo ao assentamento, já dava para ver dezenas de bonés vermelhos, na entrada uma barraca foi armada para receber os convidados, nela, o protagonista estava posto na mesa, o arroz.
A festa teve abertura do Grupo Unamérica, seguida da mística, uma característica dos eventos do movimento / Foto: Letícia Stasiak
Em muitos rostos, a felicidade de voltar a estar se encontrando presencialmente para celebrar a festa da alimentação. A solenidade teve abertura do Grupo Unamérica, seguida da mística, uma característica dos eventos do movimento.
A apresentação desse ano ilustrou a realidade que o país vem passando nos últimos anos. Vestidos de preto, com rostos sujos, mãos segurando pedaços de ossos e uma panela vazia, a abertura fez uma analogia à situação de fome que se agrava no país. Na sequência um grupo representou o trabalho e a produção desenvolvida pelo MST.
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Além de famílias assentadas de diversas regiões do estado e do país, como Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro, participaram da atividade lideranças populares, parlamentares federais, estaduais, municipais, o Conselho de Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável do RS (ConseaRS), representantes de movimentos sociais como o Movimento Nacional por Luta por Moradia (MNLM), Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Movimento Nacional da População de Rua (MNPR/RS), Levante Popular da Juventude e sociedade civil em geral.
Formação analisa situação política, social e ambiental
Além de experimentar uma refeição com arroz orgânico e prestigiar a colheita na lavoura, quem esteve no evento também pôde participar de uma análise de conjuntura com o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Luiz Marques, sobre crises ambientais; e o coordenador nacional do MST, João Pedro Stédile, sobre a atual situação social, política e econômica do país.
Evento contou com momento de formação com o professor Luiz Marques (Unicamp) e o dirigente do MST, João Pedro Stédile / Foto: Gabriela Vitello
Stedile iniciou sua fala falando da felicidade de estar realizando o evento presencialmente, após os dois anos de pandemia. “É um sentimento de conquista, fortalecimento do que a gente faz há 17 anos. Nos dois últimos não conseguimos em função da pandemia. É a nossa celebração da vida. Talvez nunca tenha sido tão importante essa simples palavra, celebrar a vida. A vida dos que resistimos, afirmou Stédile, lembrando as mais de 650 mil vidas perdidas durante a pandemia, agravadas pelo governo genocida.”
Um dos pontos destacados pelo dirigente é a urgência da retomada de políticas públicas, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que são fundamentais para estruturar as cadeias produtivas e combater a fome no país.
A agroecologia é fundamental para produzirmos alimentos saudáveis para o nosso povo, que é a principal função da agricultura.
“Precisamos recuperar políticas que protejam e garantam o abastecimento alimentício. E isso depende da produção de alimentos e do consumo. O agricultor precisa de políticas que possibilitem a ele plantar e vender, como o PAA e o PNAE fizeram. E na ponta, para o consumidor, o Estado tem que retomar a garantia da política de emprego e de valorização do salário mínimo, porque a primeira coisa que ele faz quando tem dinheiro é correr ao supermercado e à padaria, para se alimentar melhor. Nós precisamos de uma política de desenvolvimento baseada em investimentos pesados na indústria, na agricultura”, disse.
O dirigente afirmou ainda que os agricultores têm sido a vanguarda na produção do arroz agroecológico há mais de 20 anos. Conforme destacou, o agronegócio está destruindo a biodiversidade. “A agroecologia é fundamental para produzirmos alimentos saudáveis para o nosso povo, que é a principal função da agricultura.”
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Ao analisar a conjuntura política, Stedile afirmou que o Brasil vive a sua pior crise desde a chegada dos portugueses, em 1500. A pior crise, pois ela é ao mesmo tempo econômica, social, ambiental e política, aponta. “Quando estourou a crise econômica a burguesia articulou o golpe na presidenta Dilma. Não foi somente golpe na presidenta, foi golpe na classe trabalhadora. Estamos vivendo uma grande crise civilizatória, permeada por valores antissociais”, destacou, frisando não ser uma crise só do Brasil, mas no mundo inteiro.
“É uma crise do capitalismo que não resolve mais as necessidades da população, e por isso a máquina deixa de funcionar. O sistema não funciona mais, e por isso precisamos estar alertas.” Segundo ele, 28 mil indústrias fecharam no país. “Diante desse cenário é preciso além de eleger Lula, nos prepararmos para mudanças estruturais que a sociedade precisa.”
“A crise ajudou a sociedade brasileira entender o que é o latifúndio, a seca ajudou a entender o agronegócio e a importância da agricultura familiar. A crise ajudou ao PT entender isso. O agronegócio não resolve os problemas do povo”, destacou. Conforme Stédile, apesar das dificuldades que estamos vivendo na agricultura, e ainda mais aqui no RS com a seca, a crise está nos ensinando que nós podemos no futuro próximo ter mais força para a produção agroecológica e a reforma agrária popular. “Porque agora não é um problema só dos sem terras, agora é um problema da sociedade brasileira.”
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Agroecologia praticada pelo MST é exemplo para toda a sociedade brasileira, afirma professor Luiz Marques durante momento formativo / Foto: Letícia Stasiak
O professor da Unicamp e doutor Luiz Marques destacou as raízes da crise ambiental. Segundo ele, tivemos praticamente dois milênios com poucas alterações no clima. “Nós aproveitamos o período com maior estabilidade climática que se tem conhecimento, até o período pré-revolução industrial. Mas, desde os anos 1970, nós começamos a alterar o clima do planeta.”
Marques alertou que essa alteração está nesse momento em aceleração. “Essa aceleração é traiçoeira. Nós projetamos o futuro com base nas experiências que tivemos no passado. Só que, dessa vez, o futuro vai ser muito diferente do passado.” Afirmou que estamos com a nossa agricultura em risco, devido a extinção de espécies polinizadoras. “90% da vitamina C que nós precisamos vêm de plantas que precisam ser polinizadas. Estamos um momento de crise existencial, não só da espécie humana, mas de outras espécies.”
Ele encerrou dizendo que há anos vivemos um bombardeio ideológico sobre o MST, pintando uma imagem de um movimento perigoso. Na opinião do professor, é justamente o contrário, sendo o movimento uma força para ajudar o país. Além disso, afirma que é necessário que todos combatam essa visão enganosa propagada sobre o movimento.
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Lideranças políticas também prestigiaram a festa
A Festa do Arroz Agroecológico também contou com ato político. Autoridades e lideranças revezavam falas em apoio ao MST e à produção de alimentos saudáveis. O prefeito de Nova Santa Rita, Rodrigo Battistella (PT), disse que é uma alegria muito grande para o município ter quatro assentamentos da Reforma Agrária, todos produzindo alimentos agroecológicos. Inclusive, este ano, a Festa da Colheita compôs a programação oficial de comemoração dos 30 anos de emancipação da cidade.
“Para nós, é motivo de orgulho ter o MST junto conosco. Estamos produzindo e levando alimentos para as grandes cidades, gerando mais empregos e renda para o nosso município. Nós estamos nos tornando referência estadual na alimentação orgânica. Nós temos aqui em Nova Santa Rita uma legislação que protege essa produção. Temos certeza de que vamos continuar firmes e fortes, o poder público, os assentamentos da Reforma Agrária e o MST”, apontou.
Autoridades e lideranças revezaram falas em apoio ao MST e à produção de alimentos saudáveis durante ato político / Foto: Gabriela Felin
O prefeito disse que atualmente Nova Santa Rita é a segunda cidade que mais cresce em nível populacional no estado do Rio Grande do Sul. “Nós temos a alegria de ter uma agricultura muito forte. Neste ano, vamos investir mais de RS 100 milhões na agricultura. Nós temos orgulho de ter e ser o maior produtor de arroz orgânico da América Latina.”
Conforme afirmou o prefeito o município nunca teve tanto desenvolvimento e nunca cuidou tanto das pessoas como nas três últimas gestões do partido. “Aqui na cidade ninguém passa fome porque aqui tem comida no prato das pessoas, tem gás para aquelas pessoas que precisam cozinhar. Aqui em Nova Santa Rita temos uma gestão humana, uma gestão que dá exemplo para os outros municípios de como é cuidar da vida das pessoas”, afirmou.
“Não foi só no governo nacional que passaram a boiada. Aqui no estado também o governo Leite passou na Assembleia Legislativa a mudança da Lei dos Agrotóxicos, para fazer do RS um depósito de lixo químico mesmo com produtos que foram banidos em seus países de origem”, ressaltou o deputado e pré-candidato ao governo do estado, Edegar Pretto.
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Segundo reforçou Pretto, apesar do contexto social pelo qual passa o país, é um dia de celebração. “Temos que agradecer ao MST pela produção e ao orgulho que nos dá, principalmente por ter resistido nesse tempo tão difícil, e por não ter deixado o povo brasileiro abandonar o presidente Lula. Foi o MST que montou um acampamento da resistência em Curitiba, e em conjunto com outros movimentos sempre esteve na linha de frente para dar bom dia, boa tarde e boa noite ao presidente. Graças a Deus o Lula não desistiu, e nós não desistimos do Lula. Vamos celebrar um tempo novo que haveremos de construir, e com muita coragem reafirmo o compromisso para estarmos juntos. Vamos fazer o que sabemos fazer, e vamos vencer essa batalha nacional e estadual. Nós haveremos de reconstruir nosso país, e varrer a fome, a miséria e o desemprego. Peço que vocês se levantem com força, com organização nas ruas e nas redes, e vamos recuperar nosso país”, afirmou.
Em sua fala, Manuela Dávila (PCdoB), frisou que cada Festa do Arroz Orgânico é um dia de celebração. “Muita gente dizia que alimento orgânico não era para trabalhadores, e a cada colheita a gente celebra e diz que sim, é possível produzir alimento orgânico em escala, para a merenda escolar, para alimentar trabalhadores e trabalhadoras com comida sem veneno”, afirmou
Ato de celebração representa a solidariedade de um povo que produz e mantêm a cabeça erguida, afirma Manuela D’Ávila durante ato político / Foto: Gabriela Felin
Ela ressaltou que durante a pandemia enquanto a população estava em isolamento social, o MST levou comida aos brasileiros. “Quando estávamos na pandemia, isolados e lutando para combater esse governo que não está nem aí para o nosso povo, tanto o governo Bolsonaro como o governo Leite, enquanto nós estávamos em casa, porque não tinha vacina, foi o MST que encheu os caminhões de comida e abasteceu a mesa dos trabalhadores e trabalhadoras em centenas de cidades do Rio Grande do Sul e do Brasil. Esse ato de celebração, também representa a solidariedade desse povo que produz, desse povo que mantém a cabeça erguida, mesmo sem estar nas compras públicas do governo”, afirmou.
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“Muito obrigada ao MST, que segue nos dando a maior prova de que é possível produzir sem veneno, em escala e alimentar as cidades brasileiras, mas principalmente mostrar que estamos organizados pelo sentimento de solidariedade. E isso nos anima para reconstruir o Brasil com o presidente Lula. Dessa vez não tem golpe, dessa vez nós já sabemos que a mudança real só vai acontecer com a nossa luta, e se tem um povo que pode ir para rua dizer que temos um país soberano e desenvolvido, esse povo é o MST”, finalizou.
Também se manifestaram o presidente do Consea, Juliano Sá, Marildo Mullinari, do grupo gestor do arroz, o presidente da CUT-RS, Amarildo Cenci, a deputada estadual Sofia Cavedon, o deputado estadual Fernando Marroni, a deputada federal Maria do Rosário e o deputado federal Dionilso Marcon.
As falas destacaram a importância do MST, especialmente durante o período da pandemia. Também reforçaram a necessidade de eleger, nas próximas eleições, representantes progressistas, assim como aumentar a participação das mulheres na política.
Estiveram presentes também a vereadora de Porto Alegre Daiana Santos (PCdoB) e a ex-prefeita de Nova Santa Rita, Margarete Simon Ferretti. Outros parlamentares e representantes do PSOL, PT e PCdoB prestigiaram o evento, assim como representantes de diversos movimentos sociais.
Colheita simbólica foi um dos momentos mais aguardados da Festa. Enquanto o arroz orgânico era colhido, público aplaudia em pé nas margens da lavoura / Foto: Gabriela Felin
No evento, também teve a Feira da Reforma Agrária, que colocou à disposição dos visitantes artesanatos e uma diversa produção orgânica de assentamentos do RS, Paraná e Minas Gerais.
A tradicional colheita simbólica foi um dos momentos mais aguardados da festa. Enquanto o arroz orgânico era colhido, o público aplaudia em pé nas margens da lavoura.
Fonte: BdF Rio Grande do Sul/Por Catiana de Medeiros e Fabiana ReinholzBrasil de Fato | Porto Alegre (RS) |