Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro há 16 anos, a Feira de Caruaru é nacionalmente conhecida por ter de “tudo que há no mundo” para vender. E tal fama não veio por acaso para um dos maiores símbolos identitários do município: há 65 anos, em 21 de março de 1957, o cantor e compositor caruaruense Onildo Almeida lançou oficialmente a música “A Feira de Caruaru”, que ficou conhecida na voz de Luiz Gonzaga.
“Quando eu digo que na feira tem de tudo, é porque você vai encontrar coisas que não é de vender em feira, mas tem na feira. Houve uma época em que até automóvel essa feira vendia. Agora a feira tá mais bonita, cheia de planta, bancos para expor a mercadoria, de maneira que fica decorativa”, ressaltou Onildo.
De acordo com a prefeitura, a Feira de Caruaru é composta por diversas feiras: do “Paraguai” ou de Importados; da Sulanca; de Gado; de Frutas e Verduras; de Raízes e Ervas Medicinais; do Troca-troca; de Flores e Plantas Ornamentais; de Couro (calçado, chapéus, bolsas); de Permanente de Confecções Populares; de Bolos e Seção de goma e doces; de Ferragens; Artigos de Cama, Mesa e Banho; Fumo; Permanente dos Importados; e a do Artesanato.
Onildo foi o primeiro a gravar a música que ficou nacionalmente conhecida na voz de Luiz Gonzaga. No entanto, os artistas não foram os únicos a levar “A Feira de Caruaru” Brasil afora. Anastácia, Oswaldinho do Acordeon, Mestre Ambrósio, Banda de Pífanos de Caruaru, Zé Paraíba, Luiz Santana e Fulô de Mandacaru são apenas alguns dos artistas que regravaram a canção escrita nos anos 50.
“É uma das principais músicas compostas sobre a cidade. Mas, não apenas isso. Também é uma das primeiras canções. Ela foi gravada em um momento crucial da história de Caruaru: o ano do centenário da cidade. Ela toma um significado muito grande. ‘A Feira de Caruaru’ foi gravada por um dos maiores ou o maior nome da música brasileira naquele momento. Luiz Gonzaga é importante o tempo inteiro”, explicou ao g1 o historiador Daniel Silva, membro da Acaccil e professor da Asces-Unita e do Colégio Diocesano.
A música também chegou a ser tocada pelas Orquestras Filarmônicas de Berlim, na Alemanha, e Moscou, na Rússia, conforme informou o historiador José Urbano. Ao lado de Onildo Almeida, o g1 revisitou o local que inspirou o compositor a escrever os versos que se transformaram na maior obra dele.
Será que ainda há de tudo na feira?
De acordo com José Urbano, a resposta é sim. Todos os itens citados por Onildo ainda são vendidos na feira. “São 55 itens que tem na música e dois que foram acrescentados por Luiz Gonzaga. Com o passar dos anos, surgiu a feira de eletrônicos, o espaço foi se expandindo”, destacou o historiador.
O primeiro item citado por Onildo Almeida na música segue com destaque na feira. A massa de mandioca é vendida, entre tantos outros, pela feirante Rosinete Claudino. “São mais de 30 anos de feira. As pessoas sempre passam cantarolando por aqui, elas sabem que a massa de mandioca tem a ver com a música”, disse.
A área de frutas e verduras segue a todo vapor na Feira de Caruaru. Além dos itens citados acima, ainda tem “cenoura e jabuticaba”, como destacou Onildo. “Eu trabalho há mais de 30 anos na feira e ela fica bonita quando está cheia, movimentada”, afirmou a vendedora de frutas Maria Cleonice da Conceição.
Na tradicional Feira de Artesanato ainda podem ser encontrados os itens acima, assim como a “mubia de tamburête feita do tronco do mulungú”.
Não somente a “carça de arvorada” como também as mais diversas peças de roupa podem ser encontradas na Feira da Sulanca, uma das feiras que constituem a Feira de Caruaru. A cada fim de ano, entre os meses de novembro de dezembro, o local recebe cerca de 80 mil pessoas por feira, movimentando milhões de reais.
BONECOS DE VITALINO: Um dos maiores mestres da arte do barro de Caruaru, Mestre Vitalino, que morreu há 59 anos, ainda está presente na feira. Os descendentes dele, netos e bisnetos seguem propagando a arte e produzindo os famosos “bonecos de Vitalino”.
Para Daniel Silva, a música “é uma composição que marca um território muito significativo, o território das feiras. A gente ainda hoje tem muito mais feiras que shoppings. Naquela época, nem supermercados existiam, só tínhamos feiras, mercearias, vendas, empórios… Falar da feira e narrar da forma que aconteceu foi muito significativo”.
ORIGEM E MUDANÇAS: A Feira surgiu em meados do século XVIII junto a formação da cidade no Marco Zero, na igreja Nossa Senhora da Conceição, no Centro. Com a construção da igreja, o fluxo de pessoas aumentou e de forma espontânea o comércio começou a se organizar e favoreceu ao fortalecimento da feira.
Por causa do aumento no fluxo, depois de quase 200 anos, ela foi transferida em 1966 para a Avenida Rui Barbosa. Mas, em decorrência da diminuição das vendas, voltou ao antigo local em 1969.
Até que em 1992 se transferiu para o Parque 18 de maio. Atualmente, a Feira de Caruaru é dividida em várias feiras: de artesanato, do “Paraguai”, de eletrônicos, da “Sulanca”, de ervas, do “troca”, de carne, de frutas e verduras, polo gastronômico… Assim como a música, o local é múltiplo, representa a diversidade do povo caruaruense e sintetiza todas as feiras do Nordeste.
“A feira ainda é um grande ponto de encontro cultural e social da população. Ela e essencial para se entender o que é Caruaru. Claro que hoje não tem mais a proximidade com a cidade como tinha antes, a cidade cresceu e tem diversas feiras, mas a ‘feira grande’ ainda é uma das referências para quem visita a cidade”, afirma o historiador Daniel Silva.
Em 2006, a Feira de Caruaru se tornou patrimônio histórico e artístico imaterial. O título foi concedido pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), que considerou “a Feira de Caruaru um lugar de memória e de continuidade de saberes, fazeres, produtos e expressões artísticas tradicionais”.
MÚSICA DOIS: O que muita gente não sabe é que Onildo Almeida fez uma “versão ampliada” da clássica música. Dois anos depois da “original”, o próprio músico gravou a nova canção – que trouxe novos elementos – em um disco de 78 rotações por minuto (RPM).
“A Feira de Caruaru nº 2 também foi gravada em 1965 por Marinês, no disco “Maria Coisa”. Além da Rainha do Xaxado, quem também regravou a música foi o cantor e compositor caruaruense Israel Filho. Ele cantou a canção para a coletânea “Caruaru que todos cantam”, produzida por Onildo Almeida, em 1992 (ouça abaixo).
“É motivo de um orgulho muito grande. É uma maneira de retratar a cultura real da minha terra, falar do meu povo de um modo geral, representando Caruaru e interpretando a obra de Onildo Almeida. Gravar essas músicas são como ganhar um troféu”, disse Israel Filho, que também gravou a primeira versão de “A Feira de Caruaru”, em 1992, no disco “Saudades de Gonzagão”.
Além de interpretar as obras em alusão à feira, Israel também homenageou o local e Onildo com uma canção. Ele escreveu e gravou “A Feira da Sulanca”, em 1989. “Ela estava chegando [Feira da Sulanca] e precisava ser lembrada como a Feira de Caruaru. Foi a minha homenagem à Sulanca, que hoje também é de suma importância para o desenvolvimento de nossa terra”, finalizou Israel.
Joalline Nascimento e Lafaete Vaz, g1 Caruaru