Mais de 60 milhões de brasileiros vivem em cidades com menor garantia de abastecimento de água, o que se traduz em risco constante de racionamento. Isso é o equivalente a 34% da população urbana. A escassez também ameaça as atividades de produção, como indústria e agropecuária, que dependem da água para produzir cerca de R$ 228,4 bilhões da riqueza do país por ano. As informações são do Plano Nacional de Segurança Hídrica (PNSH), lançado em 2019 pelo Governo Federal.
Trinta anos após a ONU instituir o 22 de março como o Dia Mundial da Água, em um evento sobre meio ambiente no Rio de Janeiro, o Brasil se aproxima da aprovação pelo Legislativo da Política Nacional de Infraestrutura Hídrica, que deve não só assegurar o abastecimento de água à população brasileira como ampliar o acesso a um dos recursos mais valiosos do planeta. A matéria é analisada no Congresso como o PL 4.546, apresentado no ano passado.
Elaborado pelo Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), o projeto prevê instrumentos para a gestão integrada das bacias e a participação da iniciativa privada na construção e exploração de recursos hídricos, hoje majoritariamente sustentados por recursos públicos.
O texto, apresentado pelo Poder Executivo, prevê um Programa Nacional de Eficiência Hídrica que vai definir os padrões de referência de consumo para os diversos setores da economia e usuários, além de máquinas e equipamentos, à semelhança do que acontece no setor elétrico. Segundo o governo, o setor hídrico vai demandar investimentos de R$ 40 bilhões até 2050, o que não será viável apenas com recursos públicos.
A ideia da nova política é também criar um marco hídrico para o aprimoramento do gerenciamento de recursos hídricos, que já foi estabelecido pela Lei 9.433 de 1997, uma lei que completa 25 anos e cujos instrumentos foram pouco ou nada implementados.
O deputado federal Bosco Saraiva (Solidariedade/AM) destaca que o 22 de Março é uma data importante por promover a conscientização sobre a relevância da água. O parlamentar garante que o Congresso está analisando com cuidado os projetos relativos ao setor hídrico e que a inclusão da iniciativa privada se dará para preservar melhor um de nossos mais valiosos recursos.
“A reserva de água que nós temos na Amazônia, especialmente no Amazonas, com rios volumosos, é, sem dúvida nenhuma, uma riqueza do planeta. E nesse sentido o projeto do governo que institui a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica prevê um investimento privado na exploração desses recursos. Nós haveremos de apreciar com muita acuidade a entrada desses recursos privados num patrimônio que é do Brasil, um patrimônio que é da humanidade”, destacou Saraiva.
Cerca de 97% da água do planeta é salgada, o que torna os outros 3% valiosos. Ainda mais porque apenas 0,03% está na superfície, com o restante se concentrando nas geleiras e no subterrâneo, segundo estudos da Nasa e da Universidade da Pensilvânia.
Everton de Oliveira, diretor do Instituto Água Sustentável, explica que já existe uma necessidade muito grande que façamos o uso sustentável da água. Ele ressalta que a utilização do recurso no Brasil é feita de maneira equivocada e que pode levar a um problema grave num futuro próximo. “Nós usamos os recursos de forma insustentável por dois motivos. Um, porque nós usamos os recursos, trocamos ele de lugar, ou seja, eu pego a água de um determinado lugar e não necessariamente eu retorno ele para o mesmo lugar. E segundo que a gente usa a água e, ainda assim, nós degrada
mos. A qualidade melhor, da água original, fica piorada. Nós estamos tendo duas frentes, uma em quantidade, ou seja, na sua distribuição e localização, que é insustentável, e outra na sua qualidade”, aponta.
O diretor do instituto ressalta que o cuidado é urgente, uma vez que a água disponível na superfície já está sendo comprometida. Ele destaca o último levantamento do MapBiomas, uma rede colaborativa formada por ONGs e universidades, divulgou um relatório assustador sobre a perda de água de superfície brasileira entre os anos de 1985 e 2020, verificada por imagens de satélite.
“Essa água precisa ser retornada de alguma forma se não vamos ficar sem. Se você pegar o perfil do MapBiomas de 2021, ele mostrou que quase 16%, ou 15,7% da superfície hídrica do Brasil se reduziu. Isso corresponde ao tamanho do estado de Alagoas. A gente perdeu em superfície hídrica nos últimos 36 anos um ‘estado de Alagoas’”, alerta.
Dados da FAO-ONU apontam que o Brasil, apesar de ter o maior potencial hídrico do mundo, com 12% da água doce do planeta, explora menos de um terço desse recurso, sofrendo com falta d’água para gerar energia, abastecer cidades, irrigar lavouras, entre outros.
Paulo Arbex, presidente da Associação Brasileira de Pequenas Centrais Hidrelétricas (ABRAPCH), defende que a construção de novos reservatórios que possam acompanhar o crescimento da população e, por consequência, do consumo. Os reservatórios hídricos são construídos, geralmente, próximos às nascentes e ajudam a perenizar o rio, ou seja, evitar que ele seque demasiadamente. Quanto mais próximos da nascente, melhor, já que podem beneficiar, em cadeia, todos que estão abaixo, além de evitar o desperdício, já que a água não aproveitada desses rios “morre” no mar.
“Se no Amazonas sobra água, várias regiões do Centro-Oeste, Sudeste e Sul já está faltando água. E como é que a gente resolve isso? A gente resolve fazendo reservatórios”, ressalta Paulo.
Demanda maior que a oferta
Ainda segundo o Plano Nacional de Segurança Hídrica, cada real investido para o aumento na segurança hídrica gera, aproximadamente, R$ 15 em benefícios econômicos. E o investimento é urgente, já que a demanda vai acabar ultrapassando a oferta à medida que a população aumenta. Segundo dados da FAO-ONU, para se produzir um quilo de carne são gastos 15 mil litros de água. Para produzir a comida que uma pessoa come em um dia são necessários de 3 mil a 5 mil litros, ou seja, em média se gasta mais de 27 trilhões de litros de água por dia no mundo só com isso. Ainda segundo a FAO-ONU, em 30 anos o consumo de alimento dobrou e o consumo de água cresceu duas vezes mais que a população.
O projeto que institui a Política Nacional de Infraestrutura Hídrica é um dos 27 que tramitam apensados ao PL 1616/99, elaborado pelo então governo Fernando Henrique Cardoso, e que também trata da gestão de recursos hídricos no Brasil. Segundo a Câmara dos Deputados, todos serão analisados por uma comissão especial, a ser criada na Casa.
Fonte: Brasil 61