100 Anos de Comunismo no Brasil

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Este primeiro século de comunismo no Brasil legou à classe operária, ao campesinato e às massas trabalhadoras inúmeros camaradas que dedicaram toda à sua vida à Revolução. Prestamos nossa singela homenagem a todos esses/as nossos/as heróis e heroínas nas figuras exemplares de Olga Benário Prestes, Osvaldo Orlando da Costa (Osvaldão), Carlos Marighella e Gregório Bezerra.

Há exatamente 100 anos, no dia 25 de março de 1922, no Rio de Janeiro, iniciaram-se os trabalhos do 1º Congresso do Partido Comunista – Seção Brasileira da Internacional Comunista (conforme o artigo 1º dos estatutos aprovados nesse congresso de fundação). Decorrido um século, a luta dos/as comunistas no Brasil nos legou um rico manancial de experiências revolucionárias, de luta e organização cotidianas da massa trabalhadora, de exemplos de dedicação à causa operária e comunista, de sacrifícios heroicos – mas também erros graves, sérios desvios reformistas e oportunistas, e inaceitáveis políticas de subordinação da classe operária à burguesia.

Cem anos depois, nossa tarefa de comunistas é estudar toda essa nossa história, aprender com seus acertos e seus erros e seguir adiante, carregando bem alto nossa bandeira vermelha com a foice e o martelo, armados da teoria científica do proletariado revolucionário, o marxismo-leninismo, aprendendo com as massas exploradas, participando de suas lutas ombro a ombro. Apenas assim conseguiremos reconstruir o Partido Comunista, avançar as lutas proletárias e de massas em direção à derrubada do capitalismo e a construção do socialismo – única solução real para nos tirar da atual escravidão assalariada, da miséria e da fome.

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Em 1922, o Partido Comunista foi fundado por gente simples: alfaiates, barbeiro, sapateiro, vassoureiro, gráfico, ferroviário, contador e jornalista. Eles eram 9 delegados representando 73 militantes comunistas de diferentes grupos espalhados em algumas cidades do país (Porto Alegre, Rio de Janeiro, Recife, São Paulo, Niterói. Santos e Juiz de Fora não conseguiram enviar participantes). O Congresso de 1922 analisou e aprovou as 21 condições para admissão na Internacional Comunista, aprovou estatutos provisórios, definiu uma ação de solidariedade internacionalista aos flagelados do Volga e elegeu sua Comissão Central Executiva.

Manuel Cedón, Joaquim Barbosa, Astrojildo Pereira, João da Costa Pimenta, Luis Peres, Hermogênio Silva, José Elias da Silva, Abilio de Nequete e Cristiano Cordeiro, delegados no congresso de fundação do Partido Comunista.

A fundação do PC-SBIC tem como causas diretas a Revolução Russa, de 1917, e a fundação da Internacional Comunista, em 1919. Além disso, a estrutura econômica e social do Brasil passara por transformações muito importantes no meio século anterior, com a interrupção do tráfico de escravizados, a imigração europeia, o desenvolvimento da agricultura cafeeira no Sudeste, o desenvolvimento dos centros urbanos. Esses fatores possibilitaram uma industrialização incipiente desde o final do século 19, que vai se acelerar na década de 1920. A industrialização gerou as primeiras concentrações operárias e os primeiros movimentos operários, com forte influência anarquista. O marco desse movimento foi a greve operária de 1917, sobretudo em São Paulo.

Operárias/os têxteis (inclusive crianças) paralisando na fábrica Crespi, em São Paulo, 1917.

Do Congresso de 1922 até a 1ª Conferência Nacional, em 1934, podemos falar de uma primeira fase do Partido Comunista do Brasil (PCB), como logo viria a ser conhecido, deixando de lado a sigla PC-SBIC. Nessa primeira fase, o Partido ainda é pequeno, organicamente frágil e – parece haver consenso entre seus historiadores – com um domínio muito pequeno do marxismo. Apesar disso, as definições do Partido sobre a sociedade brasileira viriam no 3º Congresso: país semicolonial, dominado pelo imperialismo (que entrava o desenvolvimento da indústria nacional), aliado do latifúndio numa economia predominantemente agrária. A revolução era vista como democrática-burguesa, com as tarefas de libertar o país do capital estrangeiro, eliminar os vestígios semifeudais e confiscar a terra dos latifundiários. Nas futuras publicações do Cem Flores sobre os 100 anos do Comunismo no Brasil, veremos como essas formulações se mantêm, no essencial, até pelo menos a década de 1960 como majoritárias entre os comunistas no país.

Nesse período até 1934, a linha do Partido parece muito calcada na experiência soviética, defendendo um governo operário e camponês – do que é exemplo a criação do Bloco Operário e Camponês (BOC). Além disso, é preciso ressaltar, nessa primeira fase, o importante foco dado ao trabalho sindical e, mais ainda, um forte sentimento de classe, devido à ligação do Partido com as massas operárias e o povo simples e pobre.

Imprensa do Partido na década de 1920: “Jornal de trabalhadores, feito por trabalhadores, para trabalhadores”.

Aspecto fundamental derivado desse sentimento de classe proletário é a definição da burguesia nacional não mais como uma classe revolucionária, após os eventos de 1924, quando capitulou ao imperialismo e ao latifúndio, agravando a exploração dos operários e deteriorando as condições de vida das camadas médias. Um dos mais graves erros dos comunistas ao longo de sua história no país foi “esquecer” dessa lição fundamental já estabelecida por nossos camaradas quase um século atrás no Brasil: burguesia e proletariado são classes antagônicas, entre as quais há uma luta de classes inconciliável.

Em março de 1935, a fundação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), chefiada por Prestes, abre uma nova etapa na vida do Partido. A ANL é a expressão de uma frente única revolucionária, que aproveita o prestígio dos tenentes nas camadas médias e organiza um grande movimento de massas. A ênfase militar e a consequente subestimação do papel das massas e um possível erro de avaliação das condições concretas levam à insurreição de novembro de 1935 em Natal, Recife e Rio de Janeiro. O governo Vargas rapidamente a sufoca, desencadeia uma feroz repressão à ANL e aos comunistas, com inúmeras prisões, fechamentos de sindicatos e de jornais.

Nos anos seguintes, a repressão à ANL é somada à repressão da ditadura do Estado Novo (1937). Em 1940 o Partido estava praticamente dizimado, funcionando precariamente em algumas cidades, sem uma organização nacional. A ação resoluta dos comunistas leva à sua reorganização nacional, cujo marco é a 2ª Conferência Nacional, conhecida como Conferência da Mantiqueira (1943), com a criação da Comissão Nacional de Organização Provisória (CNOP).

Militantes da Aliança Nacional Libertadora (ANL) presos na Ilha Grande.

O início da Segunda Guerra Mundial (1939), a invasão da URSS pelo exército hitlerista (1941), a pressão para que o ditador Vargas não se aliasse aos países do Eixo (que pareciam seus aliados naturais) e a entrada do Brasil na guerra ao lado dos aliados (1944) – além da nova política da Internacional Comunista – levaram a importantes modificações na política do PCB.

A linha de união nacional, de frente única democrática, já predominava desde o final da década de 1930 e foi se reforçando até 1945 – o que significa que foi cada vez mais caminhando para a direita, para o reformismo e para uma política de subordinação da classe operária à burguesia. São desse período a definição de apoio “incondicional” à ditadura Vargas, de reforço do patriotismo e do nacionalismo, de defesa dos “aliados” (sic!) na burguesia nacional em detrimento do proletariado e mesmo de contenção de greves como “provocações”, e da incompreensível defesa “da lei e da ordem” e da “pacificação da família brasileira”.

A partir de 1945 – ano marcado pela libertação de Prestes após 10 anos de cárcere e pelos seus comícios-monstro em São Paulo e Rio de Janeiro – o Partido cresce organicamente e, ainda mais, em sua influência, o que se consolidará durante a década de 1950 e o começo dos anos 1960. A partir de 1948 começa outra mudança de linha política do PCB – em parte influenciada pela decretação da ilegalidade do Partido – que irá desembocar no Manifesto de Agosto de 1950, na autocrítica do reformismo anterior e na busca de uma postura revolucionária. A defesa da revolução armada é explícita, diante da óbvia violência dos dominadores. Mesmo ressaltando o papel dirigente da classe operária, permanece a política de frente com a burguesia, em uma Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN). Nessa mesma política, o 4º Congresso, em 1954, aprova o primeiro Programa do PCB.

Marcha da Panela Vazia em São Paulo, 1953, que integrou um forte ciclo de lutas operárias. A militância do Partido esteve presente na organização das greves e dos atos desse período.

É preciso ressaltar que esses dois períodos – o que vai do 3º Congresso (1928-29) à 1ª Conferência (1934), e do Manifesto de Agosto de 1950 à Declaração sobre a Política do PCB (março de 1958) – são criticados pela maioria dos historiadores como “esquerdistas”. Em primeiro lugar, pela política de “classe contra classe” do 6º Congresso da Internacional Comunista. Em segundo, por excluir a burguesia nacional (!). E terceiro, e mais grave para esses críticos, por explicitamente propor um processo revolucionário como única solução para as contradições do capitalismo no Brasil. Pois bem, de nossa parte, não negamos que a linha política tenha tido erros em sua aplicação ou mesmo de concepção. Mas os pontos sobre os quais recaem as críticas falam muito mais do reformismo dos críticos – que não se emendam e continuam apoiando alianças com a burguesia até hoje! – do que dos esforços dos camaradas do PCB em construir um partido revolucionário de fato.

Menos de uma década após buscar a virada para uma posição revolucionária, criticando seu reformismo anterior, o PCB afunda novamente – e dessa vez definitivamente – no reformismo com a Declaração sobre a Política do PCB, de março de 1958, que vai embasar as decisões do 5º Congresso, de 1960, e do 6º, de 1967 . Essa declaração troca a perspectiva revolucionária pelo paradoxo reformista insolúvel de uma “revolução pacífica” – seja lá o que isso signifique. A burguesia nacional seria considerada como aliada do proletariado “em torno do objetivo comum” anti-imperialista. Com isso, a contradição burguesia e proletariado passou a contradição secundária, pois o “desenvolvimento capitalista corresponde aos interesses do proletariado”. Ainda, os componentes da tal frente – massas populares, “setores nacionalistas do Parlamento, das forças armadas e do governo” – defenderiam a democracia “no caso de tentativas de golpe”. O resto é história…

Contra essa política reformista, instaurada em 1958-60, insurge-se um importante, ainda que minoritário, grupo de dirigentes e militantes do PCB que dará origem ao PCdoB em 1962. Em seu Manifesto-Programa propõem uma linha política revolucionária, mantendo-se na concepção geral que marca o movimento comunista no Brasil desde sua origem: revolução anti-imperialista, anti-feudal, pró-indústria e pela reforma agrária. Após o golpe militar de 1964, o PCdoB passa crescentemente a definir e organizar a luta armada no campo, na guerrilha do Araguaia, que será derrotada pelas forças armadas na primeira metade dos anos 1970, posteriormente eliminando os principais dirigentes do Partido em 1976 na Chacina da Lapa.

As cisões do PCB, iniciadas em 1962, se acelerarão depois do golpe militar e da completa passividade do Partido, fragmentando os comunistas em dezenas de organizações. Carlos Marighella, preso com um tiro no peito no Rio de Janeiro, é criticado por haver resistido à prisão e, depois, por participar da reunião da Organização Latino Americana de Solidariedade (OLAS), em Cuba. “Provocador”, devem ter pensado os velhos reformistas… Junto com Joaquim Câmara Ferreira, Marighella rompe com o PCB, levando boa parte do diretório de São Paulo, e organiza a Ação Libertadora Nacional (ALN).

Da mesma forma, outros dirigentes e militantes rompem com o PCB e organizam o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR), o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), o Partido Comunista Revolucionário (PCR, surgido de uma cisão do PCdoB), entre outros. A questão central era a forma de resistir e combater a ditadura militar. Fora o PCB, todos os demais optaram pela luta armada. A luta armada urbana foi fruto da heroica dedicação de centenas de comunistas, dispostos a não serem derrotados sem lutar e também dispostos a enfrentar prisões, torturas, desaparecimentos e assassinatos como consequência de uma derrota da luta. Não obstante seu heroísmo, essa experiência acabou constituindo grupos de vanguarda, sem apoio nas massas, com ações militaristas, que também foram derrotados até meados dos anos 1970.

Nesse quadro merece destaque a Organização Revolucionária Marxista – Política Operária (ORM-Polop). Em primeiro lugar, a Polop não se originou do PCB, mas de grupos vindos das juventudes socialista e trabalhista. Mais importante, a ORM-Polop foi uma das primeiras organizações comunistas a se posicionar em defesa do caráter socialista da revolução no Brasil, em seu Programa Socialista para o Brasil (1967). No processo de luta armada, a ORM-Polop criou o Partido Operário Comunista (POC) e também passou por várias cisões, que geraram os Comandos de Libertação Nacional (Colina), a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e a Vanguarda Armada Revolucionária (VAR-Palmares). Após a derrota da luta armada, a Polop se reorganizou no período da abertura política até definir pelo ingresso no PT e se dissolver organicamente.

Após a derrota da luta armada e a brutal repressão a todas as organizações comunistas, o final dos anos 1970 e o início dos anos 1980 viram um grande retorno das lutas de massas no país, tendo como marco principal as importantes greves operárias no ABC paulista, iniciadas em 1978. Na sequência, o movimento estudantil conseguiu reconstruir a União Nacional dos Estudantes (UNE), em 1979, e os anos 1980 testemunharam enormes manifestações populares pelo fim da ditadura.

Protesto do Movimento Contra o Custo de Vida, São Paulo, 1978. Movimento surgido e organizado por mulheres dos bairros operários e de periferia, marcou a retomada de protestos de massa no final da ditadura militar.

A partir das greves de 1978, um núcleo de sindicalistas, juntamente com setores católicos e egressos da luta contra a ditadura, sob a liderança dos primeiros, fundaram o PT, em 1980. Desde o seu início, o PT se definiu como um partido reformista, socialdemocrata, na busca por se tornar o partido da ordem, aceito pela burguesia, objetivo conquistado duas décadas depois, com a eleição presidencial de Lula e do empresário têxtil José de Alencar, do Partido Liberal – iniciando um período no qual, segundo o próprio Lula, os patrões jamais ganharam tanto dinheiro neste país. Nesses vinte anos, o PT e seus instrumentos sindicais (CUT e sindicatos petistas-cutistas) e populares constituíram-se na principal organização de “esquerda” do país, praticamente eliminando a relevância dos comunistas.

Cabe aqui uma observação importante. O PT, na oposição e no governo, buscou cumprir seu papel de “esquerda” reformista e oportunista, defensora do capitalismo e dos patrões, com a distribuição de migalhas, quando possível, às massas. Se a maioria dos autoproclamados “comunistas” se rendeu ao PT, o problema está com esses pseudo-“comunistas”, que abriram mão dos princípios da independência do proletariado, do seu antagonismo inconciliável com a burguesia, da tarefa de participar da vida e da luta cotidianas dos proletários, camponeses e da massa trabalhadora, e da perspectiva revolucionária para a derrubada do capitalismo e construção do socialismo.

No fundamental, esse ainda é o quadro atual, de pequena participação dos comunistas na luta das massas trabalhadoras. A pequena relevância da posição comunista, marxista-leninista, no cenário político atual ocorre não obstante o surgimento de algumas iniciativas de constituição de grupos, coletivos, centros, organizações que se proclamam comunistas e da existência de militantes de partidos e movimentos populares com a posição comunista, revolucionária.

Nosso caminho é um só: persistir na luta junto com as massas, participando de suas vidas, de suas organizações, buscando aprender com elas a correta linha de massas para o Brasil atual. Nesse processo, estudar o marxismo-leninismo para aplicá-lo à nossa realidade, tornando-o efetivamente a análise concreta da situação concreta. Com isso, aprofundar nossas análises militantes das conjunturas internacional e nacional para precisar nossa atuação na luta das massas.

Protesto da Greve Geral de 2017.

Dessa única maneira, buscar contatos com os diversos grupos esparsos de comunistas para, 100 anos depois, refazer o mesmo movimento dos nossos 9 fundadores naquele pequeno 1º congresso, em 1922: (re)construir um partido revolucionário do proletariado no país, com a grandiosa tarefa de derrubar o capitalismo e construir o socialismo!

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Durante todo este ano, buscando homenagear o centenário do comunismo no Brasil à maneira marxista-leninista – isto é, estudando criticamente nossa própria experiência, nossos acertos e nossos erros, para iluminar nossos caminhos futuros – o Cem Flores irá publicar documentos fundamentais dessa trajetória comunista, juntamente com nossas apresentações, que buscarão analisar as posições adotadas a cada momento, vinculá-la com seu período histórico, criticá-las e apreender o que apresentam de atual para o nosso movimento.

VIVA OS 100 ANOS DE COMUNISMO NO BRASIL!


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