Há 20 anos, Lula teve sua primeira campanha presidencial vitoriosa. O que muda de lá para cá?

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Antes de 2002, Lula perdeu a eleição presidencial para Fernando Collor de Mello em 1989 e para Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998 – Ricardo Stuckert

Crise institucional, extrema-direita e notícias falsas em larga escala são alguns dos fatores que compõem o novo cenário.

Há 20 anos, o ex-presidente Lula (PT) iniciava a sua primeira campanha política capaz de levá-lo à Presidência da República. Neste sábado (7), ao lançar a sua pré-candidatura, Lula começa uma campanha que deve ser capaz de passar por novos obstáculos para ser eleito: crise institucional, um adversário da extrema-direita e produção de desinformação em escala industrial.

Hoje, a situação do país é “completamente diferente”, nas palavras de Carolina Botelho, pesquisadora do Doxa – Laboratório de Estudos Eleitorais, de Comunicação Política e Opinião Pública, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

Em direção ao centro

Antes de 2002, Lula perdeu a eleição presidencial para Fernando Collor de Mello em 1989 e para Fernando Henrique Cardoso em 1994 e 1998. Nos três cenários eleitorais, o petista se mostrou aos brasileiros como um candidato de esquerda e crítico em relação às elites capitalistas internacionais, mas cuja imagem foi se dissipando ao longo dos anos.

Em 2002, Lula já se tornou o “Lulinha paz e amor”, um candidato mais moderado e flexível em relação ao mercado e aberto ao centro com o empresário José Alencar como candidato à Vice-Presidência.

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Hoje, oficialmente pré-candidato à Presidência, o petista volta ao perfil conciliador, capaz de unir diferentes setores da sociedade, em torno de um discurso de esperança e união, o que ficou mais evidente com a chegada de Geraldo Alckmin (PSB), antigo adversário político de Lula, para compor a chapa deste ano.

Botelho afirma que o movimento de 2002 em escolher José Alencar é “praticamente o mesmo” movimento de hoje pela escolha de Alckmin. “É de mostrar que ele está se comunicando para além da sua base eleitoral, de falar que está disposto a ir mais ao centro, devido ao momento que é tão disfuncional. É um senhor aviso que ele tenta dar para a sociedade de que ele precisa do voto não só da esquerda, mas de outros grupos também democráticos”, diz Botelho.

Embates e negociações

Em 2002, Lula colocou a roupa do empresariado e falou com o mercado por meio da Carta ao Povo Brasileiro, em que prometeu, caso eleito, um governo sem rupturas e de manutenção do tripé macroeconômico – câmbio flutuante, meta de inflação e meta fiscal – concretizado anteriormente por FHC.

Também naquele ano, Lula focou na geração de empregos e no crescimento econômico diante de uma crise econômica que abalava o país. A promessa de hoje é a mesma, ainda mais com Alckmin na chapa: reconstruir o país, gerar emprego e renda e aumentar os investimentos no país, sem mexer nas metas econômicas.

O desafio parece ser assegurar a promessa de que irá se manter nos pilares da responsabilidade fiscal, mas conciliá-los com um Estado garantidor de direitos – os quais, para a esquerda, políticas recentes como a Reforma Trabalhista e o Teto de Gastos foram medidas que pioraram as condições dos trabalhadores.

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Entretanto, “do ponto de vista comparativo de 2002, havia um temor muito grande de que a agenda de Fernando Henrique Cardoso e seus ministros fosse colocada de lado, e que viesse uma agenda completamente oposta àquele tipo de orientação macroeconômica em especial, mas não foi isso que aconteceu”.

“Se a gente for rememorar o governo Lula, teve também sinalizações não só sociais, mas respondeu aos anseios dos grupos mais liberais. A Reforma da Previdência dele [aprovada no final de 2003] não foi uma reforma bobinha, foi uma reforma muito importante, mexeu com toda a estrutura do serviço público, fora outras questões também”, afirma Botelho.

Nesse ponto, a pesquisadora não vê grandes diferenças entre as agendas econômicas do Partido dos Trabalhadores (PT) e de um Alckmin que até pouco tempo pertencia ao Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), mesmo partido do qual FHC fez parte.

“Não vejo um radicalismo da parte do Lula e nem vejo que essas bandeiras, que são mais tradicionais do partido, sejam muito opostas ao que o Alckmin pensa exatamente da economia. Também não vejo coisas contraditórias. Acho que dá pra compor uma agenda de responsabilidade fiscal, que é o que os dois concordam, mas com a ideia de inserir outros grupos no ambiente”, avalia Botelho.

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Ao mesmo tempo, Lula está dizendo há anos que é necessário ter responsabilidade fiscal como uma medida, mas também inserir uma parcela grande da população que está completamente desprovida de serviços do Estado.

Recentemente, o ex-presidente afirmou que “é preciso incluir o pobre no orçamento da União e o rico no imposto de renda. Na hora que fizermos isso, vamos começar a fazer uma distribuição de riqueza nesse país para transformá-lo em um Estado de bem-estar social”.

Não é a primeira vez que o petista faz esse tipo de sinalização. Ainda em 2013, ele já havia dito que “a fome não será erradicada se os pobres não forem incluídos no orçamento do governo”.

Composição no Congresso e nos estados

Os embates e as negociações ocorrerão no Congresso Nacional e com os governadores. Por isso, um dos desafios da campanha é trazer para o centro dos palanques candidaturas de governadores, senadores e deputados alinhados ao programa econômico da chapa Lula-Alckmin.

Durante o evento em que o Solidariedade oficializou apoio à chapa, o ex-presidente afirmou que não será fácil concretizar as reformas. Para tornar as coisas mais fáceis num possível governo, Lula pediu a união de forças para “eleger uma maioria de deputados que estão comprometidos com os discursos” da aliança.

“Se eu chegar em qualquer lugar, tem que ter uma lista de deputados e senadores nossos. É desse jeito que a gente tem que lutar se quiser mudar esse país. Vocês sabem que o jogo é pesado”, disse o ex-presidente.

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Segundo Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPGCS) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), um governo Lula deverá ser capaz de recuperar “um padrão estável de coalizão” com os partidos, e isso deverá ficar evidente durante a campanha.

“É interessante essa preocupação com a governabilidade, com o padrão de coalizão. E isso é importante para campanha também, para mostrar aos atores políticos que não se está vislumbrando nenhum tipo de guinada radical, mas sim um governo dentro dos marcos da democracia constitucional que inclua diferentes forças políticas com suas respectivas ideologias”, afirma Goulart. “Isso é um governo de coalizão: atrair para dentro do governo partidos e atores de diferentes ideologias, com diferentes entendimentos da política, aumentando a pluralidade do governo.”

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Hoje, o Partido Liberal (PL), que abriga o presidente Jair Bolsonaro desde novembro passado, se consagrou como o maior partido da Câmara dos Deputados, com 73 assentos, depois de encerrada a janela partidária.

Na segunda posição está o Partido Progressista (PP), que gira em torno da rede de apoio a Bolsonaro, com 59 parlamentares. O PT aparece em terceira posição, com 56, mas já seguido por outra sigla da base do atual presidente, o Republicanos, com 46 deputados.

Extrema-direita

Embora tenha voltado ao perfil conciliador, o Lula de terno de 2002 não é o mesmo com gravata verde e amarela que está na capa da última publicação da revista estadunidense “Time”. Hoje o pré-candidato precisa lidar ainda com a crise institucional gerada, em partes, pelo atual governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro (PL), o que irá impactar em um Lulinha menos paz e amor, com posições mais firmes e acirradas. Isso também é novidade.

Segundo Mayra Goulart, o falecido Enéas Carneiro, do Partido de Reedificação da Ordem Nacional (PRONA), que se candidatou três vezes à Presidência da República (1989, 1994 e 1998), era um representante da extrema-direita ou direita nacionalista expressivo, mas que nunca teve popularidade suficiente para ser um forte candidato. “Com a morte dele, fica um certo vazio no legislativo para essa representação”, e depois Bolsonaro se tornou uma novidade pela força eleitoral que conseguiu angariar.

Soma-se a isso o “processo de esgarçamento da democracia liberal e das instituições, que vem desde 2014”, com alguns marcos como a contestação do resultado eleitoral de 2014, por Aécio Neves do PSDB, e a Operação Lava-Jato.

Durante o governo Bolsonaro, esse “processo de esgarçamento e esvaziamento das instituições da democracia liberal é acelerado”, afirma Goulart.

A leitura é a mesma da cientista política Carolina Botelho. “A gente tem uma grave crise institucional, com problemas sérios na relação entre as instituições políticas.” Nesse sentido, a professora acredita que a campanha de Lula deve ser orientada para atender a essas questões. “É atípico. De forma inédita, ele tem um desafio de tentar reunir as instituições para criar ambiente de mais paz entre elas”, explica.

Desinformação e estratégia de comunicação

Uma das ferramentas utilizadas durante a campanha pela extrema-direita em todo o mundo é a produção e difusão de notícias falsas em escala industrial. Nesse aspecto, “Bolsonaro é um especialista em externalizar fake news. Ele se especializou nisso, e em 2018 se beneficiou muito dessa ferramenta”, pontua Botelho.

Na mesma linha, Mayra Goulart afirma que o “bolsonarismo trabalha com fake news, a partir da estratégia de identificar nichos de eleitores e produzir conteúdo específico para tais nichos, reforçando a identidade desses grupos. [O bolsonarismo] não apresenta informações e dados gerais da sociedade, faz o que a gente chama de ‘target’”.

“Outra estratégia de campanha do bolsonarismo é a ideia de que o eleitor deixa de ser um mero receptor da campanha, mas passa a ser também um replicador, quando via WhatsApp replica essas ideias”, ressalta.

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Goulart também cita a estratégia de criar um medo da setores da esquerda no poder. Isso porque o “conceito de esquerda é um conceito que flutua de acordo com o grupo social. A esquerda pode significar ênfase nas liberdades sexuais para um determinado grupo, mas também intervencionismo econômico para outro. E aí esse medo de uma ideia de esquerda faz com que diferentes grupos, com diferentes interesses e identidades acabem se aglutinando no que a gente está chamando de espectro bolsonarista”.

A partir disso, uma estratégia “interessante” para se contrapor a esse modelo é não se apresentar diretamente como esquerda, mas como uma “frente ampla, em defesa da democracia, porque assim o Lula desmonta um pouco dessa armadilha”.

É o que pré-candidato tem feito. No lançamento da pré-candidatura, o petista afirmou que o evento não se tratou de um “ato político”, mas de uma “conclamação aos homens e mulheres de todas as gerações, todas as classes, religiões, raças e regiões do país, para reconquistar a democracia e recuperar a soberania”.

O que dizem políticos aliados

A deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ) acredita que a construção de uma comunicação estratégica é um dos principais desafios para ampliar o eleitorado. “Quando eu falo em ampliação, estou falando de forças políticas e de comitês populares, porque a forma de a gente enfrentar essa forma de comunicação massiva de fake news é o comitê popular, entrar nos territórios. Mas a ampliação de forças, não deixar que o isolamento seja nosso, mas do adversário, é decisivo.”

“Nós precisamos ter uma estratégia acertada de comunicação e bloquear a ilegalidade ao mesmo tempo. Nós temos que ter o discurso certo e a estratégia certa para conseguir comunicar com o povo”, afirmou a deputada ao Brasil de Fato. 

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O também deputado federal Marcelo Freixo (PSB-RJ) afirmou que a “eleição de 2022 é completamente diferente de todas as outras e muito diferente de 2002”. E um dos fatores que marca a diferença é como são feitas as disputas de redes e de narrativas.

“Quando a gente fala de fake news, não são mentiras. Fake news é a disputa da verdade. É mais sofisticada, e a gente precisa se preparar para isso. Não adianta a gente achar que falando a verdade a gente vai disputar a realidade. A gente precisa entender os mecanismos das ferramentas, chamar uma juventude e se preparar para uma guerra. Não será uma eleição de disputa de programas, mas de disputa de narrativas”, afirma Freixo.

Para o senador Jean Paul Prates (PT-RN) tal disputa também é um dos grandes desafios dessa campanha. “Em geral quem tem sucesso nas redes sociais no mundo todo infelizmente é quem é polêmico, traz teses sem sustentação, porque para ser polêmico e rápido não se pode sustentar em grandes teses. Como a gente combate isso sendo sério?”, questiona.

Caroline OliveiraBrasil de Fato | São Paulo (SP) |

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