Nada mais simbólico do que realizar em 11 de agosto atos em defesa da democracia e do Estado de Direito, pois foi nesse dia de 1827 que D. Pedro 1º decretou a instalação dos cursos jurídicos no Brasil.
Antes dessa data, a elite intelectual brasileira concluía seus estudos superiores quase sempre em Portugal, às vezes na França, e voltava com um pensamento contaminado por problemas alheios ao país.
Essa questão veio à tona logo após a Independência do Brasil (1822), mas se consolidou apenas cinco anos depois. De acordo com Ariel Engel Pesso, mestre e doutorando em história do direito, desde o primeiro momento a data passou a ser festejada por professores e alunos.
“A fundação dos cursos jurídicos tem essa importância porque o Brasil queria se livrar dos laços com Portugal, e a faculdade de direito passou a fornecer os quadros para a burocracia estatal”, diz.
Nos debates sobre a criação das escolas prevaleciam dois temas: a localização dos prédios e o conteúdo das aulas. “Queriam formar não só advogados e juízes, mas também administradores públicos, governantes”, afirma Pessoa. “Por isso tem economia política no currículo.”
Quanto à localização, decidiu-se criar uma faculdade em São Paulo e outra em Olinda, e elas surgiram com pouco mais de um mês de diferença —a aula inaugural de São Paulo se deu em 1º de março de 1828, no convento de São Francisco, e a de Olinda ocorreu em 15 de maio, no mosteiro de São Bento.
Se a faculdade de Olinda foi transferida para Recife em 1854, a de São Paulo permanece onde sempre esteve, no centro da cidade. Passou por reformulações importantes, mas o pátio interno jamais mudou.
Cercado por uma sequência de arcos assentados em colunas espessas, o espaço emprestou à faculdade um de seus apelidos mais conhecidos: Arcadas.
Pela sua localização no prédio, tornou-se um dos pontos preferidos para grandes eventos. Ali ocorreu a leitura da “Carta aos Brasileiros”, de 1977, feita por Goffredo da Silva Telles Jr (1915-2009).
Na época, em plena ditadura, acharam por bem antecipar o ato para o dia 8 de agosto, em vez de fazê-lo no dia 11. Assim garantiam que a semana da celebração dos cursos jurídicos fosse pautada por aquele manifesto e, de quebra, evitavam competir com a comemoração oficial –o que poderia ser boa desculpa para a repressão tocar o terror. Tanto hoje como há 45 anos, a data fala por si. “Evoca a questão da Justiça, da igualdade, do respeito às regras eleitorais, à democracia, ao Estado de Direito”, diz Pesso.
Mas a data não é o único símbolo. Goffredo leu sua carta ao lado do “Monumento aos acadêmicos de direito mortos por São Paulo em 1932”, que lutaram na Revolução Constitucionalista.
Um dos atos deste ano deve repetir o gesto, num pátio onde inúmeras placas aludem a eventos, efemérides e pessoas importantes que passaram pelas Arcadas.
O outro ato – que reúne entidades como Fiesp, Febraban e centrais sindicais— terá lugar no Salão Nobre da faculdade. O espaço solene ostenta quadros imponentes e bustos como os de Rui Barbosa (1849-1923) e do barão do Rio Branco (1845-1912), ao lado da mesa central.
Do lado de fora, onde um telão transmitirá os discursos, o largo de São Francisco mantém ainda hoje a Tribuna Livre, um púlpito que representa a liberdade de expressão e evoca outros apelidos da faculdade: “Território Livre” ou “Estado Livre”, enfatizando que a instituição não se dobra a arbítrios ditatoriais.
A expressão “Estado Livre”, por sinal, foi cunhada na década de 1930 pelo então aluno Adriano Marrey, pai de Luiz Antônio Marrey, que é promotor de Justiça e um dos articuladores da “Carta às brasileiras e aos brasileiros em defesa do Estado democrático de Direito”.
AUTORITARISMO É FREQUENTE NA REPÚBLICA
1889 a 1930
Para as elites do país na Primeira República, o Brasil vivia sob uma democracia. Mas não é bem assim, diz a historiadora Cláudia Viscardi, que se refere a esse período como “liberalismo oligárquico”. Em média, menos de 3% da população participava das eleições —mulheres e analfabetos, por exemplo, não votavam. O governo federal recorreu ao estado de sítio (medida que amplia os poderes do Executivo) 11 vezes ao longo da chamada República Velha.
1930 a 1934
Revolução de 1930 levou ao poder Getúlio Vargas, que fechou o Legislativo em todas as instâncias. “O governo provisório [1930 a 1934] é ditatorial”, afirma a historiadora Angela de Castro Gomes. Constituição de 1934, porém, restabeleceu a existência dos três Poderes.
1937 a 1945
Getúlio instalou uma ditadura, o Estado Novo, com dissolução do Congresso Nacional, extinção dos partidos, limitação de direitos civis e adoção de censura rigorosa.
1964 a 1985
Golpe liderado pelas Forças Armadas derrubou o presidente João Goulart. Não há dúvida de que se trata de uma ditadura: partidos foram extintos, mandatos de parlamentares, cassados, a tortura se tornou uma política de Estado, entre outras atrocidades. O AI-5, em 1968, deixou o regime ainda mais autoritário. A partir de 1974, Ernesto Geisel deu início à transição para a democracia, mas a mudança ocorreu lentamente.
Uirá Machado/Folhapress