O sertão nordestino é conhecido, entre outros aspectos, pelas grandes criações de caprinos e ovinos voltadas à produção de carnes e derivados lácteos. Em Pernambuco, a região de Petrolina se sobressai entre as maiores produtoras. Este fator levou um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) a realizar uma pesquisa de doutorado com o intuito de investigar a presença nos animais e em humanos da bactéria Coxiella burnetii, causadora da Febre Q, uma doença zoonótica.
A pesquisa foi realizada no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Biociência Animal (PPGBA) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) em parceria com o Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias no Semiárido (PPGCVS) da Univasf.
O estudo constatou a presença da bactéria Coxiella burnetii em sangue, leite e muco vaginal de caprinos e ovinos do distrito de Rajada, no município de Petrolina. A pesquisa também identificou anticorpos anti-Coxiella burnetii no organismo de pessoas cujo trabalho está relacionado ao manejo desses animais no distrito, o que comprova que existe a circulação desse agente na região.
O trabalho foi realizado pela médica veterinária Eline Almeida Rodrigues de Souza sob orientação do professor Mauricio Claudio Horta, do PPGCVS da Univasf e colaborador do PPGBA. Intitulada “Investigação epidemiológica e fatores de risco de infecção por Coxiella burnetii, agente da Febre Q, em população de risco e animais oriundos do semiárido pernambucano”, a tese foi defendida no último dia 7 de julho, de forma on-line.
A pesquisadora Eline Almeida Rodrigues de Souza explica que esses animais são os reservatórios principais da bactéria e principal fonte de transmissão para humanos da Febre Q, considerada uma doença zoonótica ou zoonose. As zoonoses são doenças infecciosas transmitidas de animais para seres humanos e requerem notificação imediata em qualquer espécie animal, pela Instrução Normativa Nº 50/2013, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, e em humanos, pela Portaria Nº 1.271/2014, do Ministério da Saúde, inclusa como “Febre Maculosa e outras Riquetisioses”.
A bactéria Coxiella burnetii causa distúrbios reprodutivos nos animais, como abortamento no final da gestação, recém-nascidos fracos e infertilidade. Os animais podem eliminar a bactéria no ambiente, possibilitando a contaminação em humanos por meio, principalmente, da inalação da poeira contaminada.
“Em humanos, a doença pode se manifestar na forma aguda, com presença de sintomas semelhantes a uma gripe, com febre durante dias; ou na forma crônica, sendo mais grave e às vezes fatal se não tratada corretamente, podendo ter o aparecimento de sintomas anos após o primeiro contato com a bactéria. Na forma crônica, a endocardite é o sinal mais frequente, podendo ser observado também pneumonia e hepatite”, diz a pesquisadora. Ela ressalta que fora do país a Febre Q é mais conhecida, mas no Brasil há poucos estudos sobre o assunto e sua ocorrência ainda é subdiagnosticada.
De acordo com Eline, graduada em Medicina Veterinária pela Univasf, o objetivo do estudo era identificar a presença direta de Coxiella burnetii em pequenos ruminantes e detectar anticorpos anti-Coxiella burnetii nesses animais e em humanos do distrito de Rajada, onde se concentra grande parte da produção de caprinos e ovinos em Petrolina. A localidade já havia sido alvo de estudo prévio da médica veterinária durante o mestrado, realizado no Programa de Pós-Graduação em Ciência Animal (PPGCA) da Univasf. Na ocasião, a pesquisadora analisou propriedades de todo o município de Petrolina e identificou que Rajada era local de risco para ocorrência de anticorpos da doença.
Durante o doutorado, foram avaliadas cinco propriedades no distrito. A coleta de amostras de sangue e secreções dos caprinos e ovinos teve início em 2019. Após uma interrupção em 2020, devido à pandemia de Covid-19, em 2021 o estudo foi retomado. Antes da pandemia, foram coletadas amostras de 211 animais, dos quais 145 caprinos e 66 ovinos, e após a pandemia, houve a coleta em mais 37 caprinos e 28 ovinos, totalizando 65 animais. As coletas em humanos ocorreram no final de 2021 e início de 2022. Participaram do estudo 66 pessoas, entre trabalhadores rurais, funcionários do abatedouro, médicos veterinários e funcionários do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Petrolina.
“Concluímos que a bactéria Coxiella burnetii está em circulação na região, causando infecção nas pessoas e nos animais. Os animais estão liberando a bactéria no ambiente, causando a dispersão do patógeno, sem apresentar sinais clínicos ou anticorpos”, destaca Eline. Ela sugere a adoção no município de ações de educação em saúde relacionadas à doença para que os profissionais de saúde possam fazer o diagnóstico e elaborar estratégias de prevenção, direcionadas principalmente aos produtores rurais e capacitar os médicos veterinários para diagnosticar a doença em animais e fazer as notificações ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA).
A realização do trabalho contou com o apoio da equipe do Núcleo de Estudo em Zoonoses do Vale do São Francisco (Nezoon), do Centro de Controle de Zoonoses (CCZ) de Petrolina e da Secretaria de Saúde do município, que colaborou na coleta de amostras de sangue das pessoas que participaram do estudo.
Ascom Univasf Foto arquivo