Um presidente deslocado

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© William Volcov

A oportunidade estava dada e poderia ecoar mais do que o 7 de Setembro. Há apenas duas semanas das eleições, Jair Bolsonaro discursou durante 20 minutos na abertura da 77ª sessão da Assembleia Geral da ONU diante das mais altas lideranças globais. O tema do evento, Um Momento Decisivo: Soluções Transformadoras para Desafios Interligados, seria uma bela levantada de bola para que o presidente da República colocasse o Brasil como parte fundamental no processo de construção de uma economia de baixo carbono, baseada na bioeconomia e mais inclusiva. Mas Bolsonaro não surpreendeu. Como de costume, confundiu o púlpito com um palanque e fez o que sabe: falar com seus em uma narrativa manipulada para engrandecer seu governo.

No texto lido defendeu que sua administração “não poupou esforços para salvar vidas e preservar empregos” durante a Covid, apesar de o País registrar mais de 685 mil mortos e ter alcançado uma taxa de desemprego de 14,9% em março de 2021, segundo o IBGE. Passou também por aspectos econômicos. “Apesar da crise mundial, o Brasil chega ao final de 2022 com uma economia em plena recuperação”. Omitiu, porém, que comanda o 4º país com a maior inflação do G20, de acordo com o Quantzed. Mas foi na agenda socioambiental que Bolsonaro mais envergonhou o País.

Garantiu que o Brasil está menos pobre, apesar de relatório da rede Penssan apontar que 33,1 milhões de brasileiros passam fome, 14 milhões a mais do que em 2020. Já sobre o meio ambiente, exaltou que o País é “fonte de credibilidade internacional”, o que causou reação de organizações internacionais como o WWF-Brasil. “Ao final desses quatro anos de mandato, o legado é de curvas ascendentes de destruição, como as de desmatamento e de queimadas, ameaçando a segurança climática do País”, foi o posicionamento da entidade. Segundo o MapBiomas, muito diferente da afirmação de Bolsonaro de que dois terços do País ainda é de matas nativas, a cobertura hoje é de 66%.

Mas nada desse ritual parecia interessar de fato a Bolsonaro. Ele queria mesmo era o pós-evento. Sem cerimônia alguma, deixou seu papel de chefe de Estado para ir comer um churrasco. Na casa brasileira Fogo de Chão, bajulado por quatro ministros, pelo chefe da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, pelo presidente da Câmara e pelo pastor Silas Malafaia reuniu dezenas de apoiadores. Tirou fotos, fez vídeo e se envaideceu no papel de suposta celebridade. Em vez de estar entre os líderes mundiais, preferiu sua claque. Mas para entender a alma de Bolsonaro, vale a letra de Caetano Veloso: “É que Narciso acha feio o que não é espelho”.

IstoÉ

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