O petista assumirá o Palácio do Planalto a partir do dia 1º de janeiro. Com Geraldo Alckmin como vice, Lula liderou uma coligação que reuniu 10 partidos em torno da candidatura dele.
Com 98,91% das urnas apuradas, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) está matematicamente eleito como o novo presidente da República do Brasil. O petista, que comandou o país entre 2003 e 2010, voltará ao Palácio do Planalto a partir de 1º de janeiro de 2023.
Com 50,83% dos votos, Lula não pode mais ser ultrapassado por Jair Bolsonaro (PL), que tem 49,17%. A apuração dos votos, feita pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), deixou os brasileiros apreensivos. O petista começou a corrida na frente de Bolsonaro, foi ultrapassado aos 0,30% das urnas apuradas e, por volta das 18h45, com 67,76%, Lula retomou a dianteira da apuração.
Com 77 anos de idade — o petista fez aniversário no último dia 27 de outubro —, Lula será o presidente mais velho a assumir o comando do país desde a redemocratização, superando Michel Temer (MDB), que tinha 76 quando substituiu Dilma Rousseff (PT).
Líder popular
Nascido na região onde hoje é o município de Caetés, no agreste de Pernambuco, Lula começou a carreira política em São Bernardo do Campo, no ABC paulista. Em 1969, foi eleito suplente na diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema. Tornou-se primeiro-secretário em 1972, e presidente sindical em 1975.
Na presidência do sindicato, ele liderou, em março de 1979, uma greve operária que fez mais de 170 mil metalúrgicos cruzarem os braços no ABC paulista.
Após a repressão policial ao movimento, Lula teve o desejo de criar um partido político que pudesse representar os trabalhadores no Congresso Nacional. Um ano depois, em 10 de fevereiro de 1980, Lula fundou o Partido dos Trabalhadores, o PT, junto de sindicalistas, professores, representantes de movimentos sociais e lideranças rurais e religiosas.
A primeira eleição de Lula foi em 1982, na disputa pelo governo de São Paulo — o petista terminou em quarto lugar, com 10,77% dos votos.
Voltou às disputas em 1986, e se elegeu como o deputado federal mais votado do país naquele ano.
Em 1989, disputou pela primeira vez à Presidência da República, terminando em segundo lugar, com 17,1 milhões de votos, 27,34% do total. Fernando Collor de Mello, na época do PRN, foi eleito com 40,26% dos votos.
Lula disputou as eleições presidenciais de 1994 e 1998, e nas duas oportunidades acabou derrotado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), por 54,78% contra 27,34%, e depois por 53,84% à 32,17%.
Em 2002, Lula foi ao segundo turno do pleito presidencial contra José Serra (PSDB). No dia 27 de outubro daquele ano — mesma data em que fez 57 anos de idade — Lula foi eleito o 35º Presidente da República.
Os mandatos de Lula foram marcados por crescimento econômico, baixa inflação e implantação de programas sociais. Porém, acabaram impactados, também, pelo escândalo do mensalão, envolvendo a compra de apoio no Congresso Nacional.
Outro grande escândalo de corrupção o acertou após a saída do governo: o petrolão, investigado pela Operação Lava-Jato, envolvendo desvio de dinheiro da Petrobras. Em 2018, Lula foi condenado e preso por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o que o impediu de concorrer às eleições daquele ano, nas quais aparecia como líder das pesquisas de intenção de voto.
O substituto do ex-presidente no pleito foi Fernando Haddad (PT), que acabou derrotado em segundo turno por Jair Bolsonaro, na época no PSL.
Depois de 580 dias na cadeia, Lula ganhou a liberdade em 8 de novembro de 2019. Foi beneficiado com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que derrubou prisão após condenação em segunda instância. Em junho do ano passado, o plenário da Corte reconheceu a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro na condenação do petista. Ao todo, foram derrubados 26 processos contra o ex-presidente, originários da Lava-Jato, o que o tornou apto a disputar as eleições de 2022.
Uma campanha focada na criação de uma “frente ampla”
Com a ideia fixa de uma frente ampla, desde que decidiu concorrer novamente, a principal aliança firmada por Lula nesta campanha foi com o ex-tucano Geraldo Alckmin (PSB), candidato a vice na chapa dele. A coligação reuniu 10 partidos: PT, PSB, PCdoB, PV, PSol, Rede, Solidariedade, Agir, Pros e Avante.
A dobradinha improvável, entre dois adversários históricos, começou a ser desenhada ainda em 2021 e foi tornada pública após um jantar entre os dois, em São Paulo, organizado pelo Grupo Prerrogativas — formado por advogados que também atuam no diálogo de Lula com setores mais à direita.
Ao ser anunciada, a chapa sofreu forte resistência dentro do PT. Nos bastidores, líderes do partido falavam que o benefício de se aliar ao antigo rival é maior do que a rixa. Em público, a presença do ex-governador na chapa atrai eleitores resistentes a Lula, especialmente em São Paulo. Com atuação discreta, Alckmin articula com empresários, agronegócio e outros setores estratégicos.
Na reta final do primeiro turno, Lula focou em atrair aliados improváveis. Aderiram à campanha petista cinco ex-presidentes do Supremo Tribunal Federal, incluindo Joaquim Barbosa, relator do mensalão; cinco ministros do governo Fernando Henrique Cardoso; o jurista Miguel Reale Júnior, um dos autores do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff; e a ex-ministra Marina Silva.
Segundo turno é marcado por guerra santa e fake news
Lula chegou ao dia 2 de outubro com esperanças de liquidar as eleições ainda no primeiro turno, o que acabou não ocorrendo. O petista terminou em primeiro, com 57.258.115 milhões de votos, 48,43% do total. Bolsonaro ficou em segundo, com 43,20% dos votos — 51.072.345 milhões.
A campanha de segundo turno tornou-se mais pesada e com maior disseminação de fake news — principalmente ligadas à religião. Uma das mais famosas é que Lula fecharia igrejas caso fosse eleito, informação que a campanha petista logo tratou de desmentir. Lula chegou a publicar uma carta aos evangélicos, onde disse que os governos dele sempre preservaram a liberdade religiosa, além de ressaltar o compromisso defender as conquistas dos evangélicos.
As primeiras semanas do segundo turno foram mais tensas para os petistas, motivado pela votação de Bolsonaro e aliados no primeiro turno, que foram muito maiores do que o previsto nas pesquisas eleitorais.
O clima para os petistas melhorou na segunda metade do mês de outubro, devido às diversas polêmicas que o oponente, Jair Bolsonaro, enfrentou. A mais polêmica, causada por uma entrevista do próprio presidente, envolvia a fala “pintou um clima”.
Em um podcast, no dia 14 de outubro, Bolsonaro contou que caminhava por uma região de Brasília, quando viu “menininhas bonitas de 14 e 15 anos” e que “pintou um clima” antes de entrar na casa delas.
“Elas estavam arrumadinhas. Vi que eram parecidas. Pintou um clima, entrei em casa e vi que todas eram venezuelanas. E estavam todas se arrumando. E aí eu pergunto: meninas que têm entre 14 e 15 anos se arrumando num sábado? Pra quê? Você quer isso para sua filha? Escolhas erradas”, afirmou.
Bolsonaro contou a história para sustentar um dos principais pilares da campanha: o medo do Brasil “virar uma Venezuela”. O tiro saiu pela culatra e Bolsonaro se colocou no meio de uma polêmica de pedofilia, que dominou as redes sociais por dias.
No outro lado, Lula ampliou o cenário de apoio no segundo turno. O mais importante (e atuante) foi o da senadora Simone Tebet (MDB), terceiro lugar no primeiro turno, com 4,9 milhões de votos.
Logo após o resultado do primeiro turno, Tebet disse que não ficaria isenta no segundo turno e deu 48 horas para o MDB tomar uma decisão. No dia 5 de outubro, ela anunciou oficialmente o apoio à candidatura de Lula.
“Não anularei meu voto, não votarei em branco. Não cabe a omissão da neutralidade”, afirmou Tebet. “Por tudo isso, ainda que mantenha as críticas que fiz ao candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em especial nos últimos dias de campanha, quando cometeu o erro de chamar para si o voto útil, o que é legítimo, mas sem apresentar suas propostas para os reais problemas do Brasil, depositarei nele o meu voto porque reconheço seu compromisso com a democracia e a constituição, o que desconheço no atual presidente”, acrescentou a senadora.
A campanha de segundo turno foi marcada por muitas “caminhadas” nas ruas, principalmente no estado de Minas Gerais. Lula reforçou a presença em entrevistas, e participou de apenas dois debates presidenciais.
No dia 27 de outubro, o petista deu uma entrevista ao Correio Braziliense. Ao falar sobre um novo mandato, elencou o combate à fome como prioridade, e lamentou a situação do país durante o governo de Jair Bolsonaro. “O grave é que quando eu deixei a Presidência da República este país vivia o seu melhor momento de esperança. Lembro de uma pesquisa feita pela ONU (Organização das Nações Unidas) em que o Brasil era o país mais alegre do mundo, e o povo brasileiro era o que mais tinha esperança no mundo. A gente estava vivendo o auge de um crescimento econômico e de uma distribuição de riqueza, o PIB (Produto Interno Bruto) estava crescendo 7,5%, as pessoas estavam comprando carro, trocando geladeira, fogão, máquina de lavar”, disse.
“Vamos ter de começar, primeiro, fazendo a economia voltar a crescer. Se eu ganhar as eleições, logo na primeira semana quero ter uma reunião com os 27 governadores para que a gente possa estabelecer quais as prioridades de cada estado do ponto de vista de infraestrutura, da educação e da saúde, para que a gente possa ver que dinheiro tem de Orçamento e que dinheiro os empresários podem investir. Para que a gente comece, efetivamente, a trabalhar 24h por dia para a economia voltar a crescer, para gerar emprego e renda”, disse ao Correio.
Luiz Inácio Lula da Silva receberá a faixa presidencial em 1º de janeiro de 2023, em Brasília.
Por Pedro Grigori/Correio