A reparação ambiental da região impactada pelo rompimento em Brumadinho (MG), como todo trabalho de recuperação, é considerada um processo de médio e longo prazos, sempre respeitando o tempo da natureza. Do jovem que coleta frutos e sementes, a cientistas empenhados em acelerar o reflorestamento e órgãos ambientais que fiscalizam o desenvolvimento do trabalho, todos estão atuando de forma conjunta na busca pelas melhores soluções.
Até o momento, cerca de 27 hectares (área equivalente a 27 campos de futebol) de áreas diretamente atingidas, reservas legais e Áreas de Preservação Permanente (APP) estão em processo de recuperação, com o plantio de aproximadamente 70 mil mudas. As ações fazem parte do Plano de Reparação Socioambiental, integrante do Acordo de Reparação Integral assinado em 2021 pela Vale, pelo Governo do Estado de Minas Gerais, pelos Ministérios Públicos Federal e do Estado de Minas Gerais, e pela Defensoria Pública de Minas Gerais, para a reparação dos danos causados.
“Todo processo de recuperação ambiental é demorado e, em longo prazo, o que estamos fazendo é tentar fortalecer este processo aplicando diferentes técnicas inovadoras e sustentáveis para o reflorestamento”, afirma Diego Aniceto, Analista Ambiental da Vale. Ele explica que entre as técnicas utilizadas estão a bioengenharia para recuperar o solo e controlar a erosão, etapa importante para resgatar com efetividade o equilíbrio geomorfológico e ecológico da região; o resgate de DNA de árvores nativas, em parceria com a Universidade Federal de Viçosa (UFV), que está sendo utilizado pela primeira vez no mundo; além do projeto Sementes, que visa recuperar as áreas impactadas através de sementes nativas. “É preciso respeitar o tempo de resposta da natureza”, salienta o Aniceto.
Árvores que poderiam levar mais de oito anos para produzir suas primeiras flores e frutos estão iniciando este processo em menos de um ano. Esse é o resultado de uma técnica inédita no mundo e que está deixando cientistas da Universidade Federal de Viçosa (UFV) animados. A técnica nomeada de “Resgate de DNA e indução de florescimento precoce em espécies florestais nativas”, fruto de parceria entre a Universidade e a Vale, tem demostrado boa efetividade para a recuperação ambiental em Brumadinho e pode ser aplicada em diversos biomas ao redor do planeta.
“Estamos animados com os resultados apresentados pela técnica. Resgatamos o DNA de espécies das florestas da região, como jacarandá caviúna, ipê amarelo, e jequitibá e replicamos as plantas para garantir que a constituição genética de cada uma não seja perdida. Ver as árvores produzindo flores e frutos em tão pouco tempo é gratificante, podemos deixar um legado importante para as próximas gerações”, destaca o professor do Departamento de Engenharia Florestal da UFV (DEF/UFV), Gleison dos Santos. Ao todo foram recolhidos materiais genéticos de 10 plantas, de cinco espécies diferentes, incluindo espécies ameaçadas de extinção e protegidas por lei. Nos próximos três anos, a ideia é chegar a 30 espécies e reintroduzir mais de 5 mil mudas nas áreas a serem recuperadas. O projeto conta ainda com a gestão da Sociedade de Investigações Florestais (SIF).
Recuperação da biodiversidade da região
— Foto: Divulgação
O trabalho exige muito estudo, pesquisa e visitas a áreas afetadas. Lá, pesquisadores realizam o procedimento de resgate do DNA, com a coleta de ramos das árvores-matriz, e levam o material genético para Viçosa (MG). No laboratório, ele é mantido sob os mais exigentes padrões de segurança e saúde das plantas, e o processo de replicação tem continuidade.
“A intenção não é apenas substituir as plantas que não existem mais, mas também aquelas que tiveram danos. A isso se soma o retorno da fauna e promoção da biodiversidade: pássaros, polinizadores e dispersão de sementes, um ciclo natural que ocorre de maneira antecipada com essa proposta de resgate”, ressalta o analista ambiental da Vale, Raul Firmino.
No entanto, para a revegetação acontecer, o primeiro passo é a remoção dos rejeitos, atividade fundamental para apoiar as buscas realizadas pelo Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CMBMMG). Somente após a liberação das áreas pelo CBMMG o trabalho é iniciado, já que a busca pelas quatro pessoas desaparecidas é prioridade máxima desde o rompimento.
Comunidade envolvida no reflorestamento
Iniciado em 2019, o Projeto Sementes dá uma grande contribuição. Já foram coletados e beneficiados cerca de 782 quilos de frutos e sementes de 100 espécies diferentes. Com isso, 225 mil mudas foram produzidas e estão sendo plantadas, aos poucos, em áreas impactadas e áreas de compensação.
Tudo isso só é possível graças à colaboração de pessoas como José Fernandes, 19 anos. Nascido em Capelinha e morador de Brumadinho, ele ganhou o apelido de Zé das Sementes, tamanha sua contribuição e envolvimento com a iniciativa.
“Sempre gostei da natureza, mas nunca imaginei trabalhar com coleta de sementes. Ser ‘mateiro’, como diz na roça, não estava nos meus planos, mas agora pretendo aprofundar meus conhecimentos e fazer uma faculdade de biologia”, conta Fernandes.
Pensar na transformação das sementes anima o jovem. A satisfação aumenta ao ver que, entre as coletadas, estão árvores raras, ameaçadas de extinção e protegidas por lei como Cedro, Tambú Branco, Jacarandá da Bahia, Palmito Juçara, Braúna, Aroeira Verdadeira, Gonçalo Alves e Ipês-amarelos.
“Para mim, toda floresta nasce de uma semente, o que estamos fazendo, respeitando o meio ambiente, é coletar um pouco delas e devolver para a região como mudas que amanhã se transformarão em grandes árvores”, diz Fernandes.
Zé dedica a maior parte dos seus dias aos estudos e à coleta de sementes de árvores nativas. O processo, que ele define como “essencial para o futuro da natureza”, inclui a identificação das árvores locais e a compreensão da rotina dos animais silvestres que dependem delas.
A etapa da coleta é uma das mais importantes. Antes, é necessário realizar estudos e preparar um calendário fenológico, uma espécie de inventário e agenda da floresta, para conhecer a qualidade, quantidade e época do ano em que cada espécie pode ser coletada.
Depois de limpas, as sementes são armazenadas em embalagens especiais e ficam prontas para iniciar o ciclo da vida.
A transformação da semente em muda começa em uma viagem de quase 700 km entre Brumadinho (MG) e a Reserva Natural Vale (RNV), em Linhares (ES). Lá, são colocadas para germinação e quando alcançam o tamanho ideal estão prontas para voltarem a Brumadinho, onde passam por novo processo até ficarem aptas para o plantio.
O desfecho é o retorno para a região, onde, como disse Zé das Sementes, se tornarão, no futuro, grandes árvores.
G1