Esse será mais um ano sem Parada do Orgulho em Petrolina, maior município do sertão pernambucano e o quinto maior do estado. A população LGBTQIA+ petrolinense ficou decepcionada quando a ONG Cores, que organiza a programação, precisou cancelar o evento às vésperas da sua realização.
O motivo foi a falta de financiamento que pudesse viabilizar os seis dias de atrações, que aconteceriam entre os dias 14 e 19 de novembro. Após dois anos em que a pandemia da covid-19 impossibilitou o evento, a expectativa era de que 2022 fosse o momento do retorno – como será para diversas cidades de Pernambuco.
Além disso, em 2020, foi promulgada a Lei 3.279/2020, de autoria do Vereador Gilmar Santos (PT), que cria a Semana Municipal de Enfrentamento à LGBTfobia na cidade.
O Projeto de Lei (PL) Nº 151/19, foi apresentado em novembro de 2019 e aprovado no mês seguinte. Apesar disso, ficou parado aguardando a sanção do prefeito Miguel Coelho (MDB), o que não ocorreu. Alzyr Brasileiro, presidenta do Cores, afirma não sentir acolhimento por parte do poder público. “Vale lembrar que essa lei foi sancionada, mas não pelo prefeito. Foi sancionada pelo Presidente da Câmara, Osório Ferreira. A gente vive em Petrolina, uma realidade totalmente conservadora”, critica.
No documento, está estabelecido que serão atividades permanentes da semana: seminários; palestras; cursos de caráter formativos; e a Parada do Orgulho LGBT+. Está determinado, ainda, que a gestão municipal poderá dar o apoio necessário para a realização das atividades. Esse apoio, no entanto, não aconteceu.
“Conseguimos um bom patrocínio de algumas empresas, pessoas que acreditam na economia LGBTQIA+. Mas o principal patrocínio, que é o da prefeitura, a gente não tem”, aponta Alzyr.
Até o dia 16 de novembro, a organização não havia sido recebida pela gestão municipal, apesar de afirmarem a tentativa de diálogo diversas vezes. “Tentamos muito através da Secretaria de Cultura marcar uma reunião com o prefeito e não conseguimos. A partir daí começamos uma movimentação nas redes sociais para conseguir chamar a atenção”, explica. Na publicação do cancelamento do evento, a população marcou a rede social da prefeitura cobrando um posicionamento.
O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com a gestão municipal para questionar sobre a recusa do diálogo e a falta de apoio para a Semana de Enfrentamento à LGBTfobia.
Segundo resposta, a organização do evento não havia tentado contato até três dias antes da programação. “A organização do evento não havia procurado a gestão municipal até a última sexta-feira (11/11). Não procede a informação que a gestão se negou a dar apoio ao evento, pois nem foi procurada anteriormente”.
Parada do Orgulho só em 2023
No dia 16 de novembro, quando deveria ser o segundo dia de realização da Parada, a ONG Cores foi recebida pelo atual prefeito Simão Durando (UB), que assumiu o governo quando o prefeito Miguel Coelho (MDB) se afastou para concorrer à governador. Na conversa, a gestão municipal se comprometeu em apoiar atividades para o enfrentamento à LGBTfobia.
Alzyr Brasileiro afirmou ter sido bem recebida. No entanto, apesar da conversa positiva, a conclusão é de que não há viabilidade para que a Parada do Orgulho aconteça este ano, apenas em 2023. “O prefeito foi muito atencioso e mostrou ter boa vontade para realizar a parada. Será dentro da programação do aniversário da cidade, isso ficou garantido”, pontuou.
Sem apoio do Governo de Pernambuco
Um outro apoio esperado pela organização da Parada em Petrolina era através da Secretaria de Cultura de Pernambuco. “Durante a produção da parada, recebemos uma ligação da Fundarpe oferecendo apoio, no valor de R$ 10 mil. Todas as cidades do interior que organizam parada de Pernambuco receberam recurso para organização, receberam atração musical. Onde foi parar o dinheiro que era para a Parada de Petrolina?”, questiona Alzyr.
Na tentativa de contato com o vice-presidente da Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), Junior Afro, este afirmou não estar ciente da situação e informou não haver recursos disponíveis. No entanto, o Cores afirmou ter formalizado uma denúncia junto ao Ministério Público para saber o destino do dinheiro, que, segundo a presidenta da ONG, já havia sido empenhado para apoio às paradas.
O Brasil de Fato Pernambuco entrou em contato com a Secretaria de Cultura para solicitar um posicionamento sobre o assunto, mas até o fechamento desta matéria não obteve resposta.
O que significa o cancelamento do evento para Petrolina
A população LGBTQIA+ do município lamenta o terceiro ano consecutivo sem o evento. Danilo Souza, jornalista e integrante da comunidade LGBTQIA+, participou de outras edições e, em 2019, contribuiu na equipe da organização. Para ele, a Parada do Orgulho é mais que um desfile. “Ela representa o nosso grito, a nossa manifestação e pedido de respeito. Tem um caráter festivo, mas é também um momento de luta, resistência e de denúncia”.
Ele faz uma crítica quanto a falta de políticas públicas em Petrolina, citando a falta de um Ambulatório de Saúde Trans e um espaço de referência para acolher a comunidade, que sofre com violências em espaços públicos e privados. “Essa cidade que vende riqueza, que é a melhor cidade para se morar no Nordeste, é a mesma cidade que não tem prioridade para a comunidade LGBT, que não tem preocupação com políticas públicas, a não ser algumas que foram à duras penas conquistadas e ainda assim o município não cumpre”, denuncia.
Já o multiartista pernambucano Thierri estava ansioso para se apresentar pela primeira vez nos palcos do evento, 12 anos após sua primeira participação como público, aos 15 anos. “Na primeira vez, eu vi Alzyr e Alan Cleber no palco, super felizes, a avenida cheia de gente, todo mundo feliz. Eu achei que esse ano eu teria essa memória resgatada, e dessa vez no trio junto com eles. Aí chega em cima da hora e não vai acontecer. É triste”, desabafa.
Por fim, Alzyr lamenta a perda em termos de geração de emprego e renda. “Fechamos uma parceria linda com a Associação de Ambulantes. Está todo mundo indignado. Eu recebo ligação de ambulante dizendo: ‘não cancela não. A gente tá precisando’, e é uma outra classe invisibilizada”. Após recuperar-se de todo o desgaste emocional, a presidenta da ONG afirma estar traçando, junto com a comunidade, passos para o futuro.
Júlia Vasconcelos – Brasil de Fato