Um dia depois do aniversário de 86 anos do papa, Messi e companhia sofrem, mas derrubam os ex-campeões nos pênaltis, exorcizam trauma de 1986 e bordam a terceira estrela no peito.
Um dia após o aniversário de 86 anos de Jorge Mario Bergoglio, a Argentina está liberta do trauma de 1986. Trinta e oito anos depois do bi, a seleção é tricampeã da Copa do Mundo com uma vitória nos pênaltis, por 4 x 2, após empate por 3 x 3 contra a França com bola rolando. Três filhos de Francisco assinaram o triunfo no Estádio Icônico de Lusail, no Catar. Lionel Messi e Di María, ambos no último ato na história do torneio, marcaram os gols do triunfo. Emiliano Martínez defendeu a cobrança de Coman nos pênaltis. Está formada uma santíssima trindade dos camisas 10. Depois de Mario Kempes levar o país ao primeiro título em 1978 e de Maradona brindá-lo com o bi, Messi finalmente tem um Mundial para chamar carinhosamente de seu.
Eleito sete vezes número 1 do planeta, o Messias esperou 4.568 dias pelo troféu coletivo mais cobiçado entre a estreia na Copa do Mundo contra a Sérvia, em 16 de junho de 2006, na Alemanha. Messi é alfa e ômega. Fez gol naquela primeira exibição na competição e na última no megaevento da Fifa. Artilheiro da Argentina na edição, separou o homem do menino e será eleito o craque da Copa. Com oito gols, Mbappé foi o goleador máximo e igualou a marca de Ronaldo Fenômeno, no penta do Brasil, em 2002.
Mbappé foi apenas mais a um a ficar para trás na Copa em que Messi superou o número de gols de Maradona e Batistuta com a camisa da Argentina, o rival contemporâneo Cristiano Ronaldo em quantidade de indicações a melhor do jogo em mundiais, Paolo Maldini em minutos dentro das quatro linhas no torneio e superou Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé na coleção de bolas na rede: 13 x 12. Autor de dois gols, Messi colaborou com o fim do jejum da América do Sul. O continente amargava 20 anos (ou 7.476 dias) de deserto, desde o pentacampeonato do Brasil em 2022.
Uma das virtudes da Argentina é o planejamento jogo a jogo. Lionel Scaloni reinventou a escalação a Copa inteira. Não seria diferente na final por dois motivos: um técnico e outro supersticioso: a comissão técnica teve a sensibilidade de perceber a fragilidade da França no lado direito da defesa. Di María tinha tudo para fazer a diferença aberto na esquerda em cima de Koundé. A outra razão era a fama de iluminado do camisa 11. Di Maria fez gol na conquista da medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008. Balançou a rede na final da Copa América de 2021 contra o Brasil, no Maracanã. Deixou o dele na Finalíssima contra a Itália no duelo entre os campeões sul-americano e europeu.
Mesmo em recuperação de uma lesão no início da Copa, Di María causou estragos incalculáveis na defesa da França. Liso, leve e solto, bugou Koundé a ponto de o lateral derrubá-lo dentro da área. Lionel Messi deslocou Lloris na cobrança e abriu o placar aos 23 minutos do primeiro tempo. Em só lance, o jogador eleito sete vezes melhor do mundo igualou Pelé em número de gols marcados na Copa (12), tomou a artilharia de Mbappé nesta edição (6 x 5) e consolidou a imposição tática dos sul-americanos.
Em junho, Mbappé havia afirmado em uma entrevista à TNT Sports que, na América do Sul, o futebol não é tão avançado como na Europa. Pois o francês não viu a cor da bola no primeiro tempo. Nem ele nem o falso 10 Griezmann. Como a bola não chegava no centroavante Giroud, o técnico Didier Deschamps movimentava-se inquietamente na área técnica para substituí-lo quando foi castigado.
Um contra-ataque letal, aos 35, pulverizou a França. A Argentina roubou a bola no campo de defesa e iniciou uma troca de passes sem alta rotação com Mac Allister, Messi e Julián Álvarez, autor da assistência para Di María consolidar o papel de artilheiro das decisões. Frio na frente do gol, ele tocou na saída de Lloris para decretar o placar parcial no Lusail.
Didier Deschamps sacou o vice-artilheiro Giroud para a entrada de Thuram. Mudou novamente no intervalo ao sacar Dembélé para apostar em Kolo Mouani. Focada, a Argentina brigava por cada bola com a vontade de quem estava faminta havia 28 anos pelo título. Dominante, tocava a bola e via o criativo Deschamps experimentar soluções.
A abstinência acumulada desde 1986 parecia perto do fim a cada ação ofensiva. Concentrada atrás da trave de Lloris, a torcida mais barulhenta da Argentina ensurdecia o goleiro francês. Em campo, as finalizações de De Paul e Julián Álvarez obrigaram o jogador do Tottenham a intervir para salvar a França. Messi também saiu na cara dele depois de um corta-luz magnífico de De Paul. O camisa 10 chutou para fora e ouviu: “Messi, Messi”.
Enquanto a Argentina cometia o pecado capital de não matar a final, a França se reinventava para reagir. Em uma atitude corajosa, Deschamps abriu mão de Griezmann e Théo Hernandez e apostou em uma tacada final com quatro atacantes: os jovens Mbappé, Mouani, Thuram e Coman. Camavinga assumiu a lateral esquerda e a história do jogo começou a mudar em um pênalti cometido pelo zagueiro Otamendi em Mouani. Mbappé bateu, diminuiu o placar e reabriu o confronto aos 34 minutos.
Exausta, a Argentina começou a perder o meio de campo e passou a ser sufocada por um jovem, veloz e furioso quarteto de ataque. O mais velho da comissão de frente da França — Coman — tinha 26 anos àquela altura. Coube a um de 23 empatar. Coman tomou a bola de Messi e acionou Rabiot. O volante cruzou, Mbappé ajeitou para Thuram, recebeu a bola de volta e finalizou de primeira para estufar a rede de Emiliano Martínez e empatar. Nos acréscimos, Messi quase evitou a prorrogação em chute de fora da área.
Tempo extra
As melhores oportunidades do primeiro tempo da prorrogação foram da Argentina. Lautaro Martínez foi travado em uma finalização. Em outro lance, chutou para fora. Logo ele, que havia iniciado a competição como titular e perdeu espaço para Julián Álvarez. No segundo tempo, foi a vez de Messi finalizar de perna direita. Lloris buscou no canto esquerdo.
O gol estava maduro e a bola procurava um competente argentino capaz de empurrá-la além da linha de Lloris. Aos 35 anos, praticamente em seu último ato, Lautaro Martínez invadiu a área pela direita e chutou. Lloris rebateu e Messi encheu o pé. O zagueiro francês tentou salvar, mas a bola havia ultrapassado a fronteira da trave. Quando tudo parecia resolvido, pênalti para França. Congelado, Mbappé bateu, empatou por 3 x 3 e assumiu a artilharia isolada da Copa com oito gols.
Pênaltis
Depois de todas as reviravoltas e da emoção do tempo normal e da prorrogação com seis gols somados, Argentina e França tiveram como destinos definir quem seria tricampeão nos pênaltis. Gélido, Mbappé converteu o terceiro dele na partida. Camisa 10 dos hermanos, Messi, com batida debochada, respondeu. Na sequência, brilhou a estrela de Martínez, que defendeu a cobrança de Coman. Dybala confirmou a vantagem e Tchouaméni aumentou quando desperdiçou mais um para os franceses. Paredes e Kolo Muani deram sequência ao converterem. Coube a Montiel fazer mais um para os argentinos e cravar o tri.
Um final épico para Messi. Aliás, MeTri!
Correio