O novo secretário Especial de Assuntos Federativos da Presidência da República, André Ceciliano, teve uma vitória no TCU (Tribunal de Contas da União) no último dia 15, véspera da sua nomeação por Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Ele conseguiu reverter uma decisão do tribunal de 2016 que julgou suas contas como irregulares e o condenou a restituir aos cofres públicos o mesmo valor do repasse federal para uma obra que nunca foi finalizada.
Na ocasião, o TCU considerou Ceciliano culpado por irregularidades na construção de um hospital em Paracambi, município da região metropolitana do Rio de Janeiro, onde ele foi prefeito de janeiro de 2001 a dezembro de 2008.
A construção foi decorrente de um convênio firmado em 2003 entre o Fundo Nacional de Saúde e o município no valor de R$ 1,2 milhão em verbas federais —cerca de R$ 5 milhões em valores atuais.
Os recursos foram todos liberados entre outubro de 2004 e dezembro de 2005, durante a gestão de Ceciliano, que terminou o seu mandato em 2008 sem ter concluído a obra.
O processo foi aberto em 2010, depois de uma representação do MPF-RJ (Ministério Público Federal no Rio de Janeiro), que noticiou obras custeadas com recursos públicos federais não executadas no município, entre elas o Hospital Geral de Paracambi.
Após diversas prorrogações, o contrato para a obra terminou em agosto de 2011, com prazo final para prestação de contas em outubro do mesmo ano.
Em junho de 2011, uma equipe de fiscalização do TCU realizou visita ao hospital e verificou um estado absolutamente precário das instalações do prédio, dando início à apuração dos fatos. O tribunal ainda realizou diligências em 2013 e 2014 e promoveu a citação e audiência de Ceciliano.
À época, o tribunal concluiu que houve perda dos recursos públicos federais investidos no hospital e considerou que Ceciliano apresentou um projeto com falhas, não aplicou a contrapartida municipal, que seria de R$ 300 mil, e não cuidou de documentos que comprovassem as despesas realizadas.
Também avaliou que o hoje secretário não atuou para dar cumprimento ao objeto do convênio e não observou critérios de qualidade técnica, custos e prazos previstos; além de não ter adotado medidas para evitar a deterioração do que já tinha sido edificado.
A manifestação do TCU foi objeto de recurso, mas o tribunal manteve a decisão em acórdão de 2017.
Ceciliano também moveu outro recurso, também rejeitado por acórdão em 2022; e outro contra essa decisão no mesmo ano, que foi julgado no último dia 15.
Ele alegou que houve omissão na decisão acerca da análise de documentos juntados por ele naquele ano, o que o ex-prefeito disse que contraria a garantia constitucional da ampla defesa e do contraditório.
O ministro Walton Alencar, que relatou o novo recurso, não aceitou o pedido e disse que a falta de pronunciamento expresso sobre pontos novos não caracteriza omissão, sanável mediante embargos de declaração.
“Quando se verifica o nível das irregularidades de um prefeito que ficou três anos com a totalidade dos recursos públicos, não realizou a obra, e pretende evadir-se de suas responsabilidades, eu fico um pouco constrangido”, disse.
Durante o seu voto, Alencar também fez duras críticas ao novo secretário de Lula, dizendo que ele fez “tudo bagunçado”, fazendo até menção ao cargo atual.
“Ao examinar o processo, verifiquei que o senhor André Ceciliano, que aliás dizem que será secretário-geral da Presidência da República, praticou os seguintes atos, apresentou o processo do projeto originador do convênio com falhas, promoveu o indevido da despesa na contratação da empresa para a construção da unidade de saúde no município, ou seja, tudo irregular”, afirmou.
Ele também declarou que o dinheiro da obra “simplesmente se erodiu” e foi investido num projeto “que não se presta para nada”. “O hospital nunca houve, lamento muito pela população que deixou o hospital decente”, acrescentou.
O voto de Alencar, no entanto, foi vencido desta vez pelos demais ministros, inclusive por Vital do Rêgo, que havia votado anteriormente pela condenação de Ceciliano.
Ele alegou que, em nova análise de documentos e relatórios que estavam contraditórios, verificou que o secretário não pode responder pela não conclusão da obra, visto que a inércia teria sido do gestor sucessor na prefeitura.
“Os registros de abandono da obra, depredação, vandalismo e deterioração não constam de nenhum relatório do período em que o recorrente estava à frente da prefeitura mais de sete meses após o embargante ter deixado o cargo de prefeito”, declarou.
Ele também disse que não poderia deixar de assinalar que “a má qualidade dos relatórios de vistoria do Ministério da Saúde permitiu interpretações equivocadas por parte de quem avaliou a documentação dos autos”.
A mudança de entendimento do tribunal foi comemorada por Ceciliano, que até o início deste ano ocupou o cargo de presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), como deputado estadual pelo PT.
Ele também chegou a ser citado no episódio das “rachadinhas”, processo aberto com base em relatório do Coaf que apontou movimentações consideradas atípicas feitas por assessores de deputados estaduais.
O gabinete de Ceciliano liderava em volume de movimentações financeiras suspeitas indicadas no relatório, somando R$ 49 milhões entre 2011 e 2017. Ele negou as acusações.
À reportagem Ceciliano disse que a decisão do TCU nada teve a ver com a sua nomeação à Presidência e que deixou a gestão da prefeitura com 90% da obra pronta e 80% dos recursos liberados. Ele acrescentou que os 20% restantes para a conclusão da obra, que corresponderiam a R$ 300 mil, só foram liberados em 2009, na gestão sucessora.
“A contrapartida da prefeitura também foi liberada, ao contrário do que disse o ministro Walton, só faltava pintar e rebaixar o teto para a obra terminar. O restante dos recursos só foi recebido pela gestão sucessora, que não deu sequência à obra. Um processo sobre isso também foi aberto na Justiça Federal do Rio e não fui considerado culpado”, disse.
Além disso, o secretário afirmou que, nos recursos mais antigos, foi condenado por “revelia”, quando não se apresenta defesa, e chamou de perseguição o parecer contrário de Alencar. Também declarou que não foi condenado em definitivo até o esgotamento dos recursos.
Constança Rezende/Folhapress
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