Comissão da Anistia retoma perdão a perseguidos pela ditadura e se opõe a Bolsonaro

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Tenho a honra de pedir desculpas à senhora, em nome do Estado brasileiro, por essa perseguição, para que isso nunca mais aconteça, e declarar a senhora anistiada política.”

Assim, e com as mãos no rosto, Cláudia Arruda Campos recebeu da presidente da Comissão de Anistia, Eneá de Stutz e Almeida, o deferimento de seu pedido de indenização por ter sigo perseguida politicamente e presa durante a ditadura militar.

Essa foi a segunda vez que o caso de Campos foi a julgamento. Na primeira, em 2019, a indenização foi negada pela gestão Damares Alves, então ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos do governo Jair Bolsonaro (PL). Naquela ocasião, o voto vencedor foi dado pelo general Rocha Paiva, autor do prefácio da biografia do general e torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra.

A sessão desta quinta-feira (30) marcou o reinicio dos trabalhos do grupo e foi repleta de críticas à gestão bolsonarista —que a aparelhou o grupo com militares e apoiadores do regime ditatorial.

Para a reunião, que aconteceu às vésperas do aniversário do golpe de 1964, foram selecionados casos considerados simbólicos, por serem pedidos de anistia negados em julgamentos considerados injustos.

Foram anistiados Ivan Valente, deputado federal pelo PSOL-SP que foi preso e torturado, que teve seu pedido indeferido por Damares Alves; José Pedro da Silva, preso pelo regime, que teve seu requerimento barrado ainda no governo Temer; e Romário Schettino, sequestrado e preso, que chegou a ter indenização aprovada pela comissão em 2018, mas ela nunca foi publicada no Diário Oficial e, portanto, nunca foi efetivada —Schettino está internado e passa por cirurgias para resolver um edema cerebral.

No novo regimento do colegiado, além da previsão inédita de concessão de anistia para coletivos, também é retomado o dever de se registrar formalmente um pedido de desculpas por parte do Estado pelos crimes cometidos durante ditadura.

“Quando houver declaração de anistia política individual ou coletiva, a Presidência da sessão formulará, solenemente, em nome do Estado brasileiro, o pedido de desculpas ao requerente e à sociedade brasileira pela perseguição feita, garantindo o não esquecimento”, afirma o documento.

O pedido de perdão era comum nas declarações da comissão até o governo Michel Temer, quando passou a ser cada vez menos utilizado, até ser deixado de lado durante a gestão Damares. Agora, passa a ser uma obrigação regimental.

Na sessão, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, e outras autoridades presentes afirmaram que o trabalho em torno da memória do período de repressão é fundamental para enfrentar o fenômeno que levou aos ataques do 8 de janeiro —e, principalmente, para combater os casos de apologia à ditadura no país.

“As fantasias de que era o melhor naquele período, afinal, não passam disso, fantasias, são facilmente derrotadas pelas evidências. A falta da memória, da verdade e da justiça como políticas de Estado, contudo, não só permitem a reprodução dessas ilusões, fantasias, delírios autoritários, como também uma nostalgia golpista propagada por aparelhos de desinformação que precisam ser enfrentados pelo bem desse país”, afirmou o ministro.

A presidente da comissão disse que a comissão agora cumprirá um papel de protagonismo num processo de reparação histórica —e não mais de reação a movimentos que negam ou elogiam a ditadura militar.

“É importante ter uma palavra de acolhimento, principalmente para todos aqueles e aquelas que tiveram a infeliz e desagradável surpresa de serem revitimizados, de serem novamente culpados pela perseguição que sofreram”, afirmou Eneá de Stutz e Almeida, em referência aos pedidos de anistia negados pelo governo Bolsonaro.

Em todas as quatro declarações de anistia feitas nesta quinta, a presidente enfatizou o fato de os perseguidos terem tido suas indenizações negadas de forma injusta anteriormente.

Os números da repressão são pouco precisos, uma vez que a ditadura nunca reconheceu esses episódios. Auditorias da Justiça Militar receberam 6.016 denúncias de tortura. Estimativas feitas depois apontaram para 20 mil casos.

Presos relataram terem sido pendurados em paus de arara, submetidos a choques elétricos, estrangulamento, tentativas de afogamento, golpes com palmatória, socos, pontapés e outras agressões. Houve casos em que as sessões de tortura levaram à morte das vítimas.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade listou 191 mortos e o desaparecimento de 210 pessoas. Outros 33 desaparecidos tiveram seus corpos localizados posteriormente, num total de 434 pessoas.

OS CASOS ANALISADOS NO RETORNO DA COMISSÃO

  • Ivan Valente

Hoje deputado federal, foi militante da resistência à ditadura militar, dirigente do MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado) e fundador do PT.

Valente foi perseguido pelo regime militar, preso duas vezes, passou pelos centros de detenção do DOI-Codi e do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e foi torturado. Por isso, ele protocolou um pedido de indenização, que no ano passado foi negado pela Comissão de Anistia —ainda subordinada ao ministério de Damares.

No voto que indeferiu a anistia, a justificativa da gestão bolsonarista foi que o deputado teria sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que não era exclusiva da ditadura; e que, portanto, o Estado não lhe devia nenhum pedido de desculpas pelo que houve durante o regime.

  • Claudia Arruda Campos

Foi militante do grupo Ação Popular —do qual também fizeram partes nomes como o ex-senador José Serra (PSDB-SP)— e presa pelo Dops.

Em 2019, o relator do caso chegou a opinar a favor da concessão de anistia, mas o general Rocha Paiva, então membro da comissão, pediu indeferimento. “Não foi possível identificar nos autos qualquer ação do Estado em desfavor do requerente [Cláudia Campos] que pudesse ensejar os direitos atinentes à anistia política”, afirmou Paiva. O pedido de indenização foi negado.

  • José Pedro da Silva

Integrou a Frente Nacional do Trabalho e o Sindicato dos Metalúrgicos na década de 1970, e chegou a ser preso quando organizava um protesto em frente a indústrias. Segundo o seu relato, ele foi demitido da companhia onde trabalhava em 1978 em razão de sua atuação.

Pediu indenização, como prevê a Lei da Anistia, por ter tido sua carreira comprometida pela perseguição política. Ainda em 2018, a comissão concedeu-lhe a anistia e um pagamento de R$ 2.000 mensais.

No entanto, o então ministro Gilson Libório, atropelou o entendimento do colegiado e, por meio de uma portaria, afirmou que não houve vínculo entre sua detenção e sua demissão. Dessa forma, indeferiu o pedido. A prática foi posteriormente incorporada pela gestão Damares para negar indenização mesmo em casos avaliados como válidos pelo colegiado.

  • Romário Schettino

Ele consta nos relatórios de inteligência da ditadura como um ex-integrante de um grupo de estudos em Caratinga (MG), do qual também participou a jornalista Miriam Leitão.

Schettino era funcionário do Banco Central na década de 1970 quando foi sequestrado e preso pelas forças de segurança por suposta “infiltração subversiva” no movimento estudantil de Brasília. Pediu dispensa do emprego e se exilou na Europa.

Seu pedido de anistia foi inicialmente negado ainda em 2008, mas, após recurso, foi deferido em 2018. No entanto a portaria de sua anistia nunca foi publicada, seja pelo governo Temer ou pelo Bolsonaro.

João Gabriel/Carolina Moraes/Folhapress/Foto: Clarice Castro/Divulgação Ministério dos Direitos Humanos

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