O caminho que levou à queda da presidente Dilma Rousseff (PT), tal qual apresentado em “Operação Impeachment”, novo livro do cientista político Fernando Limongi, pode ser comparado à sucessão de tensões ao longo de uma partida de xadrez.
Não há propriamente peças novas no jogo apresentado pelo autor, professor titular de ciência política da USP e da FGV. Uma preocupação central de Limongi é, na verdade, mostrar a força real de algumas figuras desse tabuleiro. Dilma, por exemplo, não foi tão frágil ou inábil como se costuma dizer.
A partir de uma pesquisa que se estendeu por mais de cinco anos, ele também demonstra como a operação Lava Jato foi uma peça decisiva para o impeachment, cujo desfecho ocorreu em agosto de 2016. Uma peça tão ou mais demolidora do que o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (hoje no PTB, àquela altura no PMDB), em geral mais associado a esse episódio.
Ao falar sobre a operação ao longo das quase 300 páginas do livro, Limongi transita do núcleo nervoso de Curitiba –representado principalmente pelo então procurador Deltan Dallagnol e pelo juiz Sergio Moro– ao de Brasília –tendo à frente Rodrigo Janot, na época procurador-geral.
“Presidentes não são criaturas frágeis, expostas a riscos de serem derrubadas a todo e qualquer instante por questões menores”, escreve. “Ao contrário do que reza a lenda, Dilma reagiu, usando as armas de que dispunha para neutralizar” as ameaças.
O autor lembra a bem-sucedida reforma ministerial promovida pela presidente em setembro de 2015, quando conquistou o apoio, ao menos temporário, do PMDB do Rio. Era uma ocasião em que Cunha estava sedento para colocar o impeachment em pauta, mas não foi adiante porque sabia que perderia a votação no Congresso.
“Esse é um episódio, por exemplo, em que a presidente saiu vencedora. Muitas análises se concentram na incapacidade da Dilma, vista como o oposto de Lula: ele como um gênio, ela como uma besta. Isso é uma bobagem”, afirma Limongi.
“A versão de que ela própria gerou as condições para o seu impeachment não faz sentido. Dilma errou, mas muitos outros também erraram”.
No início de 2016, o governo federal respirava –nas palavras do autor, o “sepultamento do impeachment foi encomendado”.
No final de janeiro, no entanto, explodiu a primeira bomba lançada pela Lava Jato naquele ano, a operação Triplo X, que botou em evidência o apartamento de Guarujá, supostamente uma propriedade de Lula.
No mês seguinte, aconteceu a operação Acarajé, que mirou os recursos da Odebrecht para a campanha de 2014, jogando Dilma dentro do turbilhão investigativo. Em março, a operação Aletheia surpreendeu pela condução coercitiva de Lula para prestar depoimento à Polícia Federal.
É certo que as iniciativas da Lava Jato em 2015 tinham minado o governo federal, mas o impeachment foi selado mesmo nessa trinca de operações no primeiro trimestre de 2016. “Curitiba avisara à praça que não aceitaria compromissos, que iria até o fim. Era contar os dias”, registra Limongi.
A avenida estava aberta para Cunha, para partidos como o PSDB e para grupos como o MBL (Movimento Brasil Livre).
Entre os tucanos, Aécio Neves é o nome mais citado no livro.
“O que ele fez ao questionar o resultado das urnas [após sua derrota para Dilma, em outubro de 2014] e depois ao pedir auditoria do TSE não tem precedentes na história da redemocratização. Aécio se comportou como um menino mimado, que buscou apoio na extrema direita”, afirma.
Limongi critica o comportamento da imprensa nesse episódio. “Editoriais e colunas dos grandes jornais minimizaram a ruptura que Aécio promoveu naquele momento”.
“Operação Impeachment” pode ser visto como um painel de conflitos específicos que se entrelaçaram ao longo dos anos e culminaram na queda de Dilma, uma “bomba atômica, cujos efeitos tóxicos ainda são sentidos”.
Entre essas dissonâncias exploradas pelo livro, está a relação da ex-presidente com o atual titular do Planalto.
“Nunca vi Dilma e Lula como todos vêem, ou seja, ela como lugar-tenente dele, esquentando a cadeira para Lula voltar. Havia uma série de conflitos entre os dois. Um exemplo é a pouca presença da Construindo um Novo Brasil [principal grupo dentro do PT, com os nomes mais ligados ao Lula] entre os cargos relevantes do segundo mandato de Dilma.”
No xadrez de Limongi, aliás, o PT é outra peça que vai ao ataque. E nem sempre para defender Dilma.
Naief Haddad/Folhapress
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