O desafio do país para formar professores à altura das necessidades do sistema educacional brasileiro é mais grave na área de exatas, cujo aprendizado dos alunos acumula maiores desafios. Os cursos de formação de professores em matemática, química e física têm taxas de desistência em torno de 70%, bem superior à média geral do sistema universitário.
Cerca de 7 em cada 10 ingressantes em 2012 em licenciaturas nessas áreas já havia abandonado o curso em 2021, segundo dados tabulados pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais). Por outro lado, as taxas de conclusão são as mais baixas nesses três cursos: é de 24% em física e 30% em matemática e química.
Esses dados apontam para uma série de desafios da educação brasileira, em que causas e consequências se misturam, segundo estatística, estudos e especialistas. Esse cenário envolve predominância de graduações a distância —aliada a uma estrutura pouco atraente de cursos—, acúmulo de dificuldades trazidas de uma educação básica ineficiente, além de baixa atratividade para a carreira docente.
Matemática, por exemplo, é a área com piores resultados nas avaliações de larga escala. O Brasil só consegue garantir que 5% dos estudantes terminem o ensino médio em escola pública com o aprendizado adequado em matemática.
Dos cerca de 2 milhões dos jovens que concluem essa etapa do ensino, mais de 1,9 milhão deixam a escola sem conseguir, por exemplo, resolver problemas de porcentagem ou usar o Teorema de Pitágoras.
Pesquisas já mostraram que as licenciaturas atraem alunos da educação básica com menor desempenho na educação básica. Quando se trata de cursos com altas cargas de conhecimentos escolares específicos, como a matemática, as dificuldades da educação básica se reverberam no ensino superior.
“Não há apenas um fator que explica a situação. Há, de início, um reflexo da própria educação básica, do fracasso no aprendizado de matemática. E a matemática tem conhecimento básico para aprender química e principalmente física. As reprovações são mais altas e isso colabora com a desistência”, diz a diretora do instituto Reúna, Katia Smole, especialista em formação de professores em matemática.
Ex-secretária de Educação Básica do MEC (Ministério da Educação), Smole afirma que há um efeito cascata. “Quem entra nas licenciaturas ainda encontra modelos arraigados do início do século 20, distanciado da escola, não tem curso voltado para o que a gente chama de conhecimento pedagógico do conteúdo. Com a prevalência do ensino a distância, o desastre é generalizado”, completa ela, que ressalta ainda a baixa atratividade da carreira como motivo de afastamentos dos alunos.
Dos 1,6 milhão de matrículas em licenciaturas no país, 64,4% estão em instituições privadas. Sete em cada dez são de mulheres.
Muitas redes de ensino já sofrem com falta de professores e já há estimativas de um possível apagão de docentes nos próximos anos. Um estudo do Semesp, entidade paulista que representa faculdades particulares, calcula que até 2040 o país terá um déficit de 240 mil professores.
A pesquisa aponta o impacto na queda de concluintes nesses cursos. Essa fase do levantamento não se aprofundou nas áreas, mas os dados disponíveis indicam que os maiores gargalos estão em formações específicas, como as de exatas.
O número de ingressantes em cursos de formação docente vem caindo desde 2020, e 77% dos novos alunos de 2021 se matricularam na educação a distância. A inadequação do ensino não presencial para a formação de professores é praticamente um consenso entre aqueles que se debruçam sobre o tema, sejam estudiosos ou políticos.
O diretor-executivo do Semesp, Rodrigo Capelato, diz que a procura por cursos presenciais de licenciatura é muito baixa. O avanço da educação a distância ocorre muito porque profissionais que já atuam na educação, e que são mais velhos, procuram uma segunda graduação —seja para se adequarem aos cargos que ocupam ou para progredirem na carreira com base no incremento da formação.
Capelato explica que dos 266 mil concluintes que fizeram em 2021 o Enade, a avaliação federal, a maioria (155 mil) era do não presencial —e 58% dos alunos responderam que já estavam no magistério.
“Tem um quadro muito preocupante de jovens que não querem fazer licenciatura. Além de verificar que os ingressantes [do EAD] são os mais velhos, eles já estão no magistério”, diz Capelato.
Das 1,6 milhões de matrículas em curso de formação de professores em 2021, quase metade está na graduação de pedagogia. Na sequência, aparecem educação física (com 122 mil matrículas, correspondentes a 7,4% do total) e matemática (98 mil alunos, 6%).
Química responde por 2,3% dos matriculados (37 mil matrículas) e física, a 1,8% (30 mil alunos). Dessa forma, os altos índices de abandono nessas formações recaem sobre um número já reduzido de alunos. Os dados se referem a todo país, nas redes pública e privada de ensino superior.
Entre os cursos de formação de professores, o melhor desempenho na trajetória dos alunos é em pedagogia. A taxa de desistência acumulada é de 50%, abaixo da média de todos os cursos no Brasil, que é também alta e fica em 59%.
Hoje no ensino médio, 45% dos professores que lecionam física não tem formação na área ou nem sequer tem formação. Esse índice é de 31% no caso de química e 19%, em matemática.
Sob o governo Lula (PT), o MEC criou em março um grupo de trabalho para propor políticas de melhoria da formação inicial docente. O trabalho foi encerrado nesa terça-feira (30) e a pasta tem um mês para apresentar um relatório com propostas.
Questionado pela Folha sobre a situação, o MEC ressaltou em nota o trabalho do grupo e também a ampliação do programa de bolsa de iniciação à docência, o chamado Pibid, que passou de 57 mil bolsas para 90 mil, além do aumento no valor dos benefícios. Há previsão de que o programa chegue a 100 mil bolsas em 2024.
Paulo Saldaña / Folha de São Paulo
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