O comandante do Exército, general Tomás Paiva, decidiu nesta sexta-feira (16) anular a nomeação do coronel Jean Lawand Junior para a Representação Diplomática do Brasil nos Estados Unidos, em Washington.
Trata-se de uma reação após a Polícia Federal identificar uma série de mensagens em que o militar sugeria ao ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, que auxiliasse o então presidente a “dar uma ordem” para ação das Forças Armadas contra a eleição de Lula (PT).
A decisão foi comunicada por Tomás ao presidente Lula e ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, em uma reunião no Palácio do Planalto no início da tarde. Segundo relatos de pessoas que acompanham o caso, o comandante do Exército apresentou a solução como uma forma de garantir que Lawand responda judicialmente às possíveis acusações.
A reportagem não conseguiu contato com o coronel Lawand.
As conversas entre ele e Cid foram reveladas pela revista Veja. Nas mensagens, o coronel pedia ao ajudante de ordens para que Bolsonaro desse um golpe contra a eleição de Lula. “Convença o 01 a salvar esse país!”, escreveu em uma das conversas.
O Exército não costuma abrir processos administrativos nestes casos, por considerar que o caso precisa antes ser analisado pelas instâncias judiciárias.
Decisão semelhante foi tomada quando Cid passou a ser investigado pela PF pelas movimentações financeiras na Presidência. A Força não abriu processo interno contra o tenente-coronel, mas decidiu, em acordo com o militar, não o deixar assumir o comando do 1º Batalhão de Ações de Comando, em Goiânia (GO).
A revelação de diálogos envolvendo um militar da ativa foi avaliada dentro do Ministério da Defesa como uma situação delicada.
Após ser informado do caso, o ministro José Múcio marcou para esta sexta uma conversa com o comandante do Exército, para discutir a condição de Lawand e avaliar providências em relação ao coronel.
O encontro entre os dois acabou substituído por uma reunião com o presidente Lula, no Palácio da Alvorada. O petista convocou Múcio e Tomás para esclarecer a situação do coronel e pedir providências.
A defesa de Bolsonaro emitiu nota na tarde desta sexta-feira (16) e afirmou que o político “jamais participou de qualquer conversa sobre um suposto golpe de Estado”. Também afirmou que Cid, “pela função exercida”, recebia as demandas que deveriam chegar ao conhecimento do presidente.
O documento, assinado pelos advogados Paulo Amador da Cunha Bueno, Daniel Bettamio Tesser e Fábio Wajngarten, argumenta ainda que o celular de Cid “por diversas ocasiões se transformou em uma simples caixa de correspondência que registrava as mais diversas lamentações”.
Em nota, o Exército afirmou que opiniões e comentários pessoais “não representam o pensamento da cadeia de comando” da Força.
“Como Instituição de Estado, apartidária, o Exército prima sempre pela legalidade e pelo respeito aos preceitos constitucionais. Os fatos recentes somente ratificam e comprovam a atitude legalista do Exército de Caxias”, complementa.
A Força ainda disse que “eventuais condutas individuais julgadas irregulares serão tratadas no âmbito judicial” e que, na esfera administrativa, “as medidas cabíveis já estão sendo adotadas”.
“Cidão, pelo amor de Deus, cara. Ele dê a ordem que o povo tá com ele, cara. Se os caras não cumprir, o problema é deles. Acaba o Exército Brasileiro se esses cara não cumprir a ordem do, do Comandante Supremo. Como é que eu vou aceitar uma ordem de um General, que não recebeu, que não aceitou a ordem do Comandante. Pelo amor de Deus, Cidão. Pelo amor de Deus, faz alguma coisa, cara. Convence ele a fazer”, disse Lawand em um áudio, segundo transcrição da Polícia Federal.
À Veja Lawand afirmou ser amigo de Cid, com quem conversava amenidades. Ele também disse não se recordar de nenhum diálogo de teor golpista com o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro.
O ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmou que Lula foi “explícito” ao dizer que todos os mecanismos internos, militares e civis, terão apoio para “apurar responsabilidades na preparação” das invasões às sedes dos Poderes.
“Qualquer servidor federal, seja civil ou militar, que for provado envolvimento na preparação, no planejamento dos atos terroristas de 8 de janeiro, tem que ser punido e afastado de qualquer espaço de direção”, completou Padilha ao ser questionado sobre o caso dos militares.
O coronel Jean Lawand Junior é atualmente supervisor do Programa Estratégico Astros do Escritório de Projetos do Exército, do Estado-Maior da Força.
Lawand formou-se na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras) em 1996, com a melhor nota entre os cadetes da turma Bicentenário da Inconfidência Mineira. Durante os quatro anos de formação, ele esteve ao lado do atual governador de São Paulo, Tarcísio Freitas.
Durante a carreira, o coronel passou por áreas ligadas a mísseis e foguetes, currículo que o credenciou para assumir a supervisão do Programa Astros, considerado um dos principais projetos estratégicos do governo.
Segundo generais ouvidos pela reportagem, Lawand era um dos cotados para ser promovido a general de brigada em 2025, por já ter assumido cargos de comando e pelas posições nas turmas de formação militar.
O período da promoção seria próximo à volta de Lawand dos EUA. Em fevereiro, Tomás Paiva assinou uma portaria designando Lawand para a missão no exterior a partir de 2 de janeiro de 2024.
A anulação da movimentação seria uma forma de garantir que o militar esteja no Brasil enquanto as investigações estão em curso.
Em uma das conversas, o coronel Lawand repassa mensagem de um amigo que afirma ter se encontrado com o general Edson Skora Rosty.
Subcomandante de Operações Terrestres do Exército à época das mensagens, Rosty teria garantido ao interlocutor que a Força terrestre cumpriria uma eventual ordem de intervenção caso a recebesse. Ainda segundo esse relato, o general teria ponderado que o Exército nada faria sem uma ordem de Bolsonaro porque o movimento seria visto como um golpe.
O general três estrelas foi para a reserva do Exército em abril deste ano, após o Alto Comando da Força decidir promover um militar mais moderno que Rosty para o cargo de general de Exército (quatro estrelas).
Foi ele quem abrigou Cid no Comando de Operações Terrestres após o Exército decidir que ele não assumiria o comando do batalhão de Goiânia.
No caso de Rosty, a decisão interna é não abrir nenhum procedimento contra o general, por ele estar na reserva e o caso ser considerado um boato. À Veja o militar disse não se lembrar da conversa citada por Lawand.
Cézar Feitoza/Bruno Boghossian/Victoria Azevedo/Folhapress/Foto: Reprodução/Exército Brasileiro
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