Dados do Censo 2022 do IBGE divulgados nesta quinta (27) apontam que três de cada dez quilombolas brasileiros moram na Bahia. De 1,3 milhão de pessoas que se autodeclararam dessa maneira no país, 397.059 vivem no estado.
Também estão na Bahia os dois municípios com mais quilombolas no Brasil: Senhor do Bonfim (com 15.999 pessoas) e Salvador (15.897). Ao todo, o Nordeste responde 68,2% do total dessa população no país.
O Maranhão é o segundo estado de maior população autodeclarada quilombola, com 20,26%. Juntos, os dois estados abrigam metade da população quilombola do país, enquanto o Nordeste abriga 68,2%.
Apesar da origem quilombola na formação de Salvador, o professor de história da Bahia da Uneb (Universidade do Estado da Bahia) Alfredo Matta explica que os quilombos urbanos costumam não ter delimitação clara, tornando difícil a organização e a busca por direitos.
“Muitos bairros de Salvador tem origem em comunidades quilombolas. O mais famoso é o da região do Cabula. Aquela região foi dominada por comunidades quilombolas, entre eles, o chamado quilombo do Cabula”, aponta ele. “Eram quilombos anteriores à cidade, que cresceu e foi os envolvendo”.
“Hoje, os quilombos são agredidos de outra forma. Há uma desvalorização da região para que o mercado imobiliário possa comprar barato, fazer apartamentos e coisas desse tipo. Esse é um fenômeno muito de Salvador”, diz.
A localização litorânea de Salvador a fez ser um dos portos de desembarque de escravizados. Além disso, a cidade foi capital do Brasil no período colonial.
“Salvador era um centro de tráfico, mas principalmente, um centro de recepção, de engajamento de trabalho escravo nas lavouras da própria cidade”, diz Matta.
“Então, a quantidade de escravizados que chegou aqui foi muito maior do que em outros lugares. Talvez Recife e o Rio tenham um número que não seja muito menor, mas outras regiões do Brasil, tiveram muito menos escravizados”.
Uma das poucas comunidades quilombolas de Salvador delimitadas é o quilombo Alto do Tororó, localizado na Base Naval, no bairro de São Tomé de Paripe. A área tem cerca de 300 anos e é certificada pela Fundação Cultural Palmares.
“Os meus antepassados vieram fugidos para aquele lugar, ali eram só fazendas. Mas tinha um lado que não tinha importância para o dono da fazenda que era a Bela Vista”, conta Maria de Fátima Lima Ferreira, 64, uma das líderes da comunidade.
“Depois que libertou, o dono deixou que a gente ficasse naquela área, que era Benjamin de Souza. Eram negros escravizados e índios tupinambás que ali se estabeleceram”.
De acordo com as lideranças, o território se estabeleceu depois da Segunda Guerra Mundial, quando um grupo de americanos comprou a fazenda Pombal. Os novos donos construíram uma base no local, que foi doada para a Marinha do Brasil.
Com a chegada dos militares no território, o quilombo começou a passar por um processo de urbanização, perdendo espaço —uma situação que permanece até hoje.
“A gente conseguiu permanecer, mas a Marinha começou a ir invadindo onde tinha roça, fonte. Eles conseguiram avançar tanto que já estão no fundo das nossas casas, então a gente está vivendo tipo gado, espremido, apertado um por cima do outro”, diz Ferreira.
Segundo ela, esse cenário tem ameaçado as principais atividades econômicas do Alto do Tororó —o marisco e a pescaria.
Segundo outra líder da comunidade, Maria de Lourdes Marques, 60, os quilombolas tem cortado as cercas colocadas pelos militares para delimitar o espaço.
BAHIA CONCENTRA MUNICÍPIOS COM MAIS QUILOMBOLAS DO PAÍS
Cinco das dez cidades mais quilombolas estão na Bahia. Além de Senhor do Bonfim e Salvador, a lista inclui Campo Formoso (com 12.735 quilombolas), Feira de Santana (12.190) e Vitória da Conquista (12.057).
No norte do estado, Campo Formoso está em 8º lugar da lista nacional. É na cidade que está localizado o quilombo São Tomé, com mais de 140 anos.
O agricultor e artesão Manoel Ailton Rodrigues de Carvalho, 60, presidente da Associação Comunitária e Quilombola do Povoado de São Tomé, relata que a localização da comunidade determinou a formação dos quilombos e interfere na região até hoje.
“A maioria era de fugidos, porque essa região era muito remota nessa época. Alguns de Salvador ou do Recôncavo, vinham fugindo da escravidão. Tanto que as regiões daqui estão tendo certo desenvolvimento de pouco tempo para cá, porque antes era bem isolada, com as estradas ruins”.
O líder explica que há mais de 28 povoados nos arredores. “Uns no município de Campo Formoso, outros nos de Umburanas e Mirangaba, mas tudo ali é comum de São Tomé”.
O povoado de São Tomé também recebeu certificação como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural Palmares.
Outra comunidade que tem essa certificação é Quingoma, que fica em Lauro de Freitas, a menos de 30 km do centro de Salvador. Segundo as lideranças locais, a comunidade data de 1569.
“O Quingoma não se formou em Salvador, ele é oriundo de Lauro de Freitas e se estende até Pirajá e Abrantes”, explica a líder da comunidade, Rejane Rodrigues, 38. “O quilombo é localizado numa zona rural de Lauro de Freitas e não é nem rural, nem urbano, é semi-industrial”.
Mariana Brasil/Folhapress/Foto: Lucas Lima/Prefeitura de Lauro de Freitas/Arquivo
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