Crônica: Sapatos-copos 

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Ao meio dia, quando mamonas secas arrebentavam com o mormaço escaldante do sol em brasa, numa estreita e esburacada estrada rural, um rico empreendedor trafegava com seu Jeep, vislumbrando uma grande propriedade ao qual estava prestes a comprar naquele rincão sem fim. 

Admirado com tanta terra, o homem rico acaba se distraindo e perde o controle. Duas rodas caem numa enorme vala aberta na última temporada de chuvas. O Jeep tombado e encravado não ia nem para frente e nem para trás.  

O homem rico então sentou-se na beira do barranco esperando que alguém pudesse lhe ajudar. Ficou lá por mais de uma hora, enquanto o sol queimava a nuca e causava um mal-estar, já que não tinha nada para saciar a sede. 

Argemiro ao ver o Jeep caído na vala logo imaginou que alguém pudesse ter morrido. Tudo o que não queria era encontrar algum morto embaixo daquele Jeep. Porém, logo avistou um senhor de ralos cabelos grisalhos, muito bem vestido e apessoado, sentado no barranco. 

O homem rico num primeiro momento se assustou, mas logo em seguida, abriu um grandessíssimo sorriso ao ver Argemiro se aproximar com suas roupas maltrapilhas e descalço, contudo, foi logo apertando sua mão. 

— Graças a Deus, uma alma viva nessa estrada! Estou aqui faz um tempão e já sem esperanças. Perdi a direção do Jeep e quando vi já estava nessa valeta. Será que dá para a gente tirar dali? 

Argemiro então entra na vala e começa a empurrar o Jeep. Após alguns arranques, as rodas conseguem atrito com o solo e desencalha jogando terra para todo lado. 

— Olha, não tenho dinheiro aqui comigo agora para lhe dar em agradecimento, mas, no que puder quero pagar. – Diz o homem rico extremamente grato. 

Argemiro suado e sedento pede uma carona até uma bica d’água que ficava a um quilometro dali. Ao chegarem na bica, os dois homens observaram que o cano estava quebrado e era impossível beber água usando as mãos, porém, nenhum deles tinha um copo ou algo que pudesse alcançar a água. 

O homem rico teve uma ideia. Arrancou seus sapatos novos e chiques e conseguiu encher o calçado com a água cristalina, entregou o outro sapato a Argemiro, que mesmo sem muita vontade, mas pela necessidade, também encheu de água e bebeu tudo numa só golada. 

Quando foi devolver o sapato, o homem rico fez questão que Argemiro ficasse com eles de presente, pois custavam quase cinco mil reais e era uma forma de agradecimento pela ajuda. 

E foi assim que o pobre Argemiro voltou para sua humilde tapera de pau a pique, com aqueles sapatos debaixo do braço e feliz, por ter ganhado caríssimos copos, com o qual toma água prazerosamente na biquinha atrás de sua casa. 

Por Rodrigo Alves de Carvalho

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