Na madrugada de uma véspera de feriado em Brasília, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que pode favorecer a formação de cartéis em licitações ao diminuir a transparência em processos de alto valor..
O projeto foi votado depois da meia-noite desta quinta-feira (30), em um sessão esvaziada e sem o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que inclusive afirmou mais cedo, diante do plenário, que iria encerrar a sessão.
Lira esteve presente durante votações durante a tarde e o começo da noite, sobretudo da proposta das eólicas offshore, que integra o pacote de transição energética impulsionado por ele, mas que em seu texto inclui uma série de jabutis para beneficiar, por exemplo, os setores de gás e carvão, atividades de alto impacto ambiental.
O presidente da Casa deixou o Congresso na noite desta quarta-feira (29), e as votações dali em diante foram feitas em sessões esvaziadas.
Já depois da meia-noite, os deputados aprovaram não só um requerimento de urgência, mas também passaram a deliberar sobre o mérito de um projeto de lei que altera a lei de licitações e que pode favorecer a formação de cartéis.
Pelo texto da proposta, licitações a partir de R$ 1,5 milhão devem ser feitas de forma fechada, o que significa que as ofertas realizadas durante o leilão não precisam ser divulgadas.
O modelo contrário, a chamada disputa aberta, permite lances sucessivos e que são divulgados, isto é, qualquer um pode ter acesso ao valor sugerido por uma empresa para realizar tal empreendimento durante o procedimento.
Segundo o texto aprovado na Câmara, licitações de valor alto devem ser feitas em em modelo de disputa fechada, no qual as propostas não são reveladas até o fechamento do prazo de licitação.
Licitações a partir de R$ 1,5 milhão “serão processadas sempre pelo modo de disputa fechado”, diz o texto.
Segundo especialistas ouvidos sob a condição de anonimato, este modelo, aplicado para empreendimentos de alto valor, favorece a formação de cartéis, uma vez que reduz a transparência e possibilita que sejam feitos acordos informais entre grandes empreiteiras, por exemplo.
“O modo de disputa fechado deve ser uma exceção à regra da publicidade no processamento das licitações públicas” defende o advogado Anderson Medeiros Bonfim, especialista em licitações e doutorando em Direito Administrativo pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo.
“A redução da transparência compromete a concomitante e contínua fiscalização pelos órgãos estatais de controle e pela sociedade. Assim considerando, a proposta de alteração legislativa que visa ampliar, ao contrário de lances públicos, as hipóteses em que são obrigatórias propostas sigilosas tende a estimular ilícitos especialmente em licitações de maior porte”, completa.
O tarde do horário foi motivo de ironia, por exemplo, de deputados como Julia Zanatta (PL-SC).
Segundo o relatório do deputado Elmar Nascimento (União Brasil-BA), tal medida “mostra-se condizente com a proteção do interesse público, bem como homenageia a busca da melhor proposta para a administração pública”, apesar da diminuição da transparência no método da licitação.
De acordo com o relator, aliado de Arthur Lira, o objetivo é justamente a “contratação de obras ou serviços especiais de engenharia”, setor com alta incidência de irregularidades.
A votação aconteceu depois da meia-noite desta quinta.
No entanto, muito antes, durante o início da noite, quando a Câmara aprovou o projeto das eólicas offshore com uma série de jabutis que favoreceram setores poluentes, Lira chegou a afirmar diante dos deputados que encerraria a sessão.
“Após este projeto eu vou encerrar a sessão”, afirmou Arthur Lira por volta das 19h50 da noite, durante uma das votações.
O presidente da Câmara deixou a Casa pouco depois das 20h30 da noite, mas a sessão prosseguiu, conduzida por vice-presidentes e sob protestos de deputados, que defendiam que a pauta devieria ter sido encerrada após a afirmação feita pelo alagoano.
O texto, inclusive, foi deliberado sem a presença do relator, Elmar Nascimento, segundo os deputados presentes. A enorme maioria dos votos foi virtual.
O texto acabou aprovado por 307 votos e a proposta agora vai à sanção. A sessão foi encerrada na sequência.
Folhapress/Foto: Zeca Ribeiro/Arquivo/Agência Câmara
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