Caso o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), seja aprovado para ocupar uma cadeira no STF (Supremo Tribunal Federal), ele será o quinto ministro negro a compor a Suprema Corte. Ele se autodeclara pardo.
Criado em 1891, o STF teve apenas 4 ministros negros entre os 170 que já passaram pela corte. São eles: Pedro Lessa, Hermenegildo de Barros, Joaquim Barbosa e Kassio Nunes Marques. Nenhuma mulher negra foi ministra até agora.
Flávio Dino mudou a autodeclaração de branco, em 2014, para pardo, a partir das eleições de 2018, quando foi eleito governador do Maranhão.
A composição completa do STF é de 11 magistrados, dos quais há apenas uma mulher (Cármen Lúcia) e, com a confirmação de Dino, haverá dois homens negros (além dele, Kassio).
Entidades do movimento negro ouvidas pela reportagem dizem esperar um compromisso de Dino com as pautas raciais na corte, embora isso ainda seja visto como uma incógnita.
“A autodeclaração de pessoas negras é uma autonomia do indivíduo que diz respeito à sua percepção enquanto ser. Não necessariamente vai apontar um raciocínio racializado, ou seja, uma leitura racializada da sua existência enquanto ser político”, diz Joel Luiz Costa, diretor do IDPN (Instituto de Defesa da População Negra).
Joel diz que para ter um compromisso com as questões raciais é preciso que a pessoa esteja alinhada com as pautas do movimento negro, em uma perspectiva coletiva.
Ele espera esse compromisso de Dino, não pelo fato de ele se autodeclarar pardo, mas pelo posicionamento político alinhado à esquerda.
“A partir do campo político que Flávio Dino se posiciona, ele deveria, sim, ter compromisso com teses defendidas pelo movimento negro, como a legalização do aborto, a descriminalização da maconha, o habeas corpus de perfilamento racial e a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) Vidas Negras”.
Para Gabrielle Abreu, coordenadora do coletivo Mulheres Negras Decidem, se há um jurista que se autodeclara pardo é incontestável haver um ministro negro no STF, caso Dino seja aprovado.
“Agora, se isso se converte naturalmente em uma defesa dos direitos da população negra, isso é uma outra história. Uma coisa não implica outra”, afirma.
Gabrielle diz que o histórico de Dino como político aponta que ele é uma pessoa “minimamente afeita aos direitos humanos, à democracia e conhecedor de como se dão as relações raciais no Brasil”.
No entanto, ela lembra que Dino foi governador do Maranhão por dois mandatos, e o estado é o que mais tem conflitos com remanescentes quilombolas.
Segundo um levantamento da CPT (Comissão Pastoral da Terra), realizado a pedido da reportagem, o Maranhão foi indicado como o local com o maior número de conflitos agrários que afetam os quilombolas.
O estudo levou em conta o recorte entre 2013 e o primeiro semestre de 2023, período no qual o estado foi governado em sua maior parte por Flávio Dino.
“A política do Dino frente a essa questão foi precária, foi aquém do que deveríamos esperar de um governador que se autodeclara negro”, afirma Gabrielle.
Para ela, o posicionamento de Dino frente às pautas relativas à população negra no âmbito do STF será uma caixinha de surpresas. “Claro, acho que ainda se trata de um homem autodeclarado negro, de esquerda, progressista, e, por isso, a expectativa é muito grande, espero que ele não nos decepcione”.
Sobre os dados do levantamento, Dino afirmou que estruturou política de prevenção e mediação de conflitos fundiários com ações como a criação da Comissão Estadual de Prevenção à Violência no Campo e na Cidade e a instalação do Programa Estadual de Proteção de Defensores de Direitos Humanos.
Segundo ele, o aumento de conflitos ocorreu a partir de 2020, durante a gestão Jair Bolsonaro (PL), o que atingiu fortemente o Maranhão por sua grande quantidade de comunidades tradicionais.
Frei David, coordenador da Educafro, afirma que a entidade “tem certeza que Flávio Dino, para temática racial, deverá ser um dos melhores ministros de toda a história do Brasil”.
Ele diz também que a entidade já rascunhou uma carta para ser enviada a Dino, caso ele seja aprovado pelo Senado, dizendo o que se espera na atuação dele como ministro do STF.
“O Flávio Dino fez uma excelente equipe de negros e negras lá no Ministério da Justiça. Ele foi o ministro que mais levou essas pessoas para o primeiro escalão [da pasta]. Nós queremos que o futuro ministro, além de manter essa equipe, amplie para chegar a 56,1% o total de negros nos cargos de autoconfiança [no STF]”, afirma Frei David.
Educafro, Mulheres Negras Decidem e IDPN, junto com outras entidades no movimento negro, fizeram uma campanha durante os últimos meses em defesa da indicação de uma mulher negra ao STF.
Com a escolha de Dino, segundo Joel, o presidente Lula perdeu a chance de fazer história ao indicar uma negra.
Ele afirma que Dino, do ponto de vista jurídico, é uma excelente indicação por ter sido juiz federal, presidente da Ajufe (Associação Nacional de Juízes Federais) e contribuído com projetos de lei criminal.
“Agora, é uma perda significativa o presidente Lula não aproveitar a chance para inaugurar esse espaço para mulheres negras”, afirma. “Mostra como o compromisso de justiça racial da esquerda brasileira ainda é muito frágil. É impressionante que o voto de 56% da população parece que vale menos do que a opinião de meia dúzia do centrão”, conclui.
As Mulheres Negras Decidem avaliaram a indicação de forma negativa, por um motivo simples, não era o que o grupo reivindicava. Segundo Gabrielle, faltou um compromisso de Lula com a população negra. “Sobretudo com as mulheres negras, faltou escuta. O que mais chama atenção é ele nem sequer ter se reunido com os movimentos. Isso é muito grave”.
Dino foi indicado pelo presidente para ocupar a cadeira da ministra Rosa Weber, que se aposentou em setembro. Agora, o ministro será sabatinado pelo Senado no dia 13 de dezembro. Só após ser aprovado em plenário, ele poderá de fato ocupar a vaga na Suprema Corte brasileira.
Priscila Camazano/Folhapress/Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil