Lei Aldir Blanc: estudo revela atuação de grupos de interesses em verbas de cultura

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Cruzamento organizado através de grafo, aponta conexões ator-rede entre lideranças, partidos políticos, beneficiados em editais da Lei Aldir Blanc identificados em auditorias (como do TCE-PR e CGU) e agrupamentos que promoviam constrangimentos em redes sociais contra os prejudicados.

A série de reportagens investigativas “A Crise da Cultura” constatou que a Lei Aldir Blanc 1 (LAB 1), criada com o intuito de salvar fazedores de cultura durante a pandemia, passou por episódios de aplicação inadequada de recursos. Relatos, denúncias e notícias confirmam que o panorama se repetiu em diversas partes do Brasil. A situação foi reconhecida recentemente pelo Ministério da Cultura (MinC) e Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC). Movimentos sociais e especialistas em políticas culturais alertam que o panorama pode voltar a acontecer no atual momento, envolvendo a Lei Paulo Gustavo e Política Nacional Aldir Blanc.

Mesmo após dois anos, fatos relacionados ao caso da Lei Aldir Blanc continuam vindo à tona. Um estudo apontou que durante a aplicação de recursos públicos da LAB 1, teria ocorrido atuação de agrupamentos, dos quais faziam parte integrantes que participaram de reuniões da deliberação destas políticas junto ao poder público, influindo no formato e nas normas de editais de cultura. Os que estiveram na articulação da LAB 1 no Paraná tiveram apoio de bases de cultura partidárias, além de relações com determinados parlamentares. Apesar da atuação aparentemente local, uma checagem de fatos documentais e de redes públicas na internet aponta conexões nacionais com grupos e coletivos que protagonizaram episódios contraditórios em suas trajetórias, que geraram questionamentos.

Este estudo ocorreu após reação agressiva de membros das organizações diante das denúncias de movimentos sociais sobre contradições na LAB 1 (algumas destas denúncias foram encaminhadas ao MP e se tornaram inquéritos policiais). A origem deste mapeamento dos grupos de interesses foi realizada pelo GT de Direitos Humanos do Fórum de Cultura do Paraná (FCP), que em assembleia realizada em 17/01/2022 votou pela liberação integral de documentos sobre políticas culturais. O Observatório da Cultura do Brasil (OCB) teve acesso ao material e atestou o estudo através de teorias jurídicas, econômicas e das ciências políticas, qualificando o caso como atuação de grupos de interesses e lobby nos recursos de editais.

Para confirmar a identificação dos grupos (identificados pelo GT Direitos Humanos do FCP), o OCB localizou uma rede de relações “pooling accounts em operações estruturadas”, utilizando a teoria dos grafos (muito utilizada pela Interpol e FBI em investigações) associando com uma metodologia estruturalista baseada na localização de interseções de quatro elementos: agentes premiados citados em auditorias sobre a Lei Aldir Blanc; classe dirigente e lideranças de movimentos (com influência no poder público estadual e municipais); lideranças políticas e militância de bases de cultura de partidos; e organizações que mantém controle sobre redes sociais, promovendo constrangimentos contra reclamantes da má aplicação.

O cruzamento destes elementos resultou no grafo que faz parte deste estudo, que aponta conexões ator-rede, e confirma os mesmos nomes citados, se constituindo como um único agrupamento (os nomes não foram expostos, por se tratar de uma apuração independente e que não implica em quaisquer acusações criminais, de modo a não violar a integridade moral dos envolvidos).

Irregularidades apontadas em auditorias

Os elementos da metodologia aplicada para gerar o grafo remetem a episódios que marcaram a má aplicação da LAB 1 no Paraná. O primeiro diz respeito a duas auditorias realizadas no estado, do Tribunal de Contas do Paraná-PR (TCE-PR) em 2022; e da Controladoria Geral da União (CGU) em 2023. Ambas confirmaram irregularidades, como acúmulos de premiações e recursos em mesmos nomes, ajudando no esclarecimento do que motivou a grande quantidade de excluídos nas políticas assistenciais e emergenciais da LAB. Além disso, integrantes de grupos de interesses foram apontados nestas auditorias (alguns chegaram a ser condenados e tiveram que devolver recursos). Informações destas auditorias, somadas a reportagens da série “A Crise da Cultura” e a um cruzamento de dados apontam que articuladores que contribuíram com a elaboração das políticas públicas da LAB 1 teriam se beneficiado de seus recursos.

Como consequência, foram definidas políticas que levaram à exclusão de trabalhadores mais necessitados, devido à burocracia de editais. Entre os segmentos atingidos pela escuta seletiva estavam música popular, artesanato, circo, comunidades tradicionais, entre outras que passavam por dificuldades desde março de 2020, sendo impedidas de trabalhar durante quase 2 anos de lockdown, sem conseguirem acessar os recursos emergenciais da LAB.

A distribuição assimétrica de verbas de editais tem histórico, confirmado por um outro estudo realizado pelo OCB, que comparou editais de cultura entre 2015 e 2023 (incluindo recursos da LAB 1), apontando que os recursos chegam a uma parcela diminuta, enquanto a maioria dos trabalhadores não recebem recursos. O estudo também concluiu que a maioria dos integrantes de grupos de interesses ficaram com a maior parte das verbas da Lei Aldir Blanc, recebendo mais de 204 premiações nos editais. Ao analisar os mesmos nomes durante todo o período abrangido pela pesquisa, estes teriam recebido 452 prêmios e recursos.

Por Tiago Cordeiro

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