A articulação liderada por Lula (PT) para emplacar o ministro aposentado do STF (Supremo Tribunal Federal) Ricardo Lewandowski no Ministério da Justiça envolveu até um apelo do presidente diretamente à esposa do magistrado, Yara de Abreu Lewandowski.
Além disso, o atual ministro, Flávio Dino, que esperava reassumir mandato no Senado e já poder começar a montar seu futuro gabinete na corte, foi convocado por Lula para garantir a transição na pasta, uma vez que o secretário-executivo, Ricardo Cappelli, decidiu se ausentar de Brasília após ver frustrado o desejo de permanecer no cargo.
As conversas sobre a sucessão no Ministério da Justiça se iniciaram em novembro, quando Lewandowski embarcou com Lula para giro internacional, que começou em Riad (Arábia Saudita), passou por Dubai (Emirados Árabes Unidos) e terminou em Berlim (Alemanha).
Presidente do conselho da CNI (Confederação Nacional da Indústria), ele chegou até mesmo a participar de encontro de organizações sociais na COP 28, conferência das Nações Unidas para o Clima, com integrantes do governo.
Mas foi a partir da noite de domingo (7), quando o ex-ministro do STF desembarcou em Brasília a convite de Lula, que a sucessão da Justiça tomou forma.
Um atraso no voo fez com que um jantar entre os dois inicialmente previsto para domingo fosse convertido em café da manhã na segunda-feira (8) no Palácio da Alvorada —fora da agenda oficial. Naquele dia, Lula e Lewandowski participaram de uma solenidade no Congresso Nacional em memória aos ataques golpistas de 8 de janeiro.
Segundo aliados do presidente, Lewandowski acenou com a possibilidade de aceitar o convite. Mas disse enfrentar resistência na família. Desde que se aposentou do Supremo, ele voltou a advogar e passou a trabalhar na iniciativa privada, tendo atuado como consultor para a empresa J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.
Durante as tratativas, Lula chegou a falar por telefone diretamente com a esposa do ministro aposentado. Fez um apelo para que ela apoiasse a missão que ele estava prestes a encomendar ao aliado e amigo de longa data.
Logo no começo de seu discurso no anúncio de Lewandowski, na quinta (11) no Palácio do Planalto, Lula fez um reconhecimento público a Yara.
“Eu sabia das atividades privadas dele [Lewandowski]. Conheço a família dele, conheço a mulher dele. Eu achava que ela iria criar dificuldade, dizendo para ele: ‘Meu amor, vamos viver nossa vida agora, deixa para lá esse negócio de política’”, disse Lula na ocasião.
“E graças a Deus a Yara teve a compreensão de falar para o Lewandowski: ‘Eu sei que você quer ir, então vá, meu amor’”.
O ex-ministro do STF também pediu que tivesse liberdade para a escolha dos ocupantes de postos-chave da pasta. A exigência de Lewandowski era uma barreira para as pretensões de Cappelli, que com o apoio de Dino tentava se manter na secretaria-executiva.
Ao ser questionado após a solenidade no Congresso sobre a possibilidade de assumir o ministério, Lewandowski despistou e disse que aquela era a pergunta de R$ 1 milhão.
A resposta positiva de Lewandowski a Lula só veio na noite de quarta (10), em mais um encontro no Palácio da Alvorada. Desta vez, Dino também participou.
Na ocasião, o ministro da Justiça intercedeu mais uma vez por Cappelli e defendeu sua permanência na secretaria-executiva, destacando a atuação do seu subordinado como interventor da segurança pública no DF após o 8 de janeiro.
Lewandowski então reiterou a necessidade de ter um nome de sua confiança na posição. Lula concordou, o que pavimentou a saída de Cappelli do governo.
A cerimônia no Planalto em que Lewandowski foi confirmado foi descontraída, com Lula ao lado de Dino, do ministro aposentado do STF e da primeira-dama, Janja. Perto dali, no entanto, o clima na sede do Ministério da Justiça era de tensão.
De acordo com relatos, na noite de quarta Cappelli chegou a ameaçar entregar o cargo sem participar do processo de transição na pasta.
Para piorar, na quinta de manhã foi publicada no Diário Oficial a exoneração de Diego Galdino, secretário-executivo adjunto da Justiça e braço direito de Cappelli.
Como Dino planejava reassumir seu mandato no Senado, a possibilidade de uma transição sem ministro, secretário-executivo ou secretário-executivo adjunto ameaçava deixar a pasta em estado caótico durante a passagem de bastão.
Dino foi então escalado por Lula para garantir uma transição tranquila. Pouco antes do anúncio de Lewandowski, o ministro da Justiça se reuniu com Cappelli e o informou da decisão do presidente que descartava sua permanência na secretaria-executiva.
Cappelli publicou em seguida uma mensagem nas redes sociais negando qualquer pedido de demissão. “Não pedi demissão. Vou sair de férias com a minha família e voltar para colaborar com a transição no Ministério da Justiça e Segurança Pública. União e Reconstrução”, escreveu.
A intenção do secretário é ficar fora da pasta até o fim do mês. Lewandowski já toma posse em 1º de fevereiro.
Flávio Dino, então, decidiu permanecer à frente da pasta em janeiro, encurtando o período que ele planejava ficar no Senado. Ele ingressa no STF em 22 de fevereiro.
O ministro chegou a reunir seu secretariado e pediu que seus auxiliares mantenham o ritmo de trabalho. Na fala aos funcionários, argumentou que todos pertencem ao mesmo governo e que a troca de ministros não representará uma descontinuidade na gestão.
Em paralelo, o governo cancelou a exoneração de Galdino na sexta (12), para que ele responda pela secretaria-executiva durante a ausência de Cappelli.
Catia Seabra/Marianna Holanda/Folhapress/Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil