Documentário sobre Lula, sem espaço para oposição, recebe aplausos em Cannes

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Um coro de “olê, olê, olá” se uniu aos aplausos efusivos ao fim da estreia do documentário “Lula”, no Festival de Cannes, neste domingo. Dirigido pelo americano Oliver Stone, ao lado de Rob Wilson, o filme foi exibido em caráter especial e viu os ingressos para suas sessões se esgotarem rapidamente.

Eram os brasileiros que formavam a maior parte do público na estreia do filme que narra a trajetória recente do presidente brasileiro, mas outros idiomas também eram ouvidos na sala Agnès Varda.

Antes de a sessão começar, Thierry Frèmaux, diretor de Cannes, chegou a perguntar, brincando, quem ali amava o petista. Houve aplausos. “Não se preocupe, Oliver, sabemos como vai ser a recepção a esse filme”, ele respondeu, olhando para o diretor do filme.

“Este filme é sobre uma pessoa muito especial no mundo hoje”, disse Stone pouco antes. “Eu admiro muito este homem e sei que muitas pessoas das classes mais ricas o odeiam. A vocês que estão aqui hoje, não o odeiem, porque ele é uma alma maravilhosa.”

Stone venceu o Oscar de roteiro por “O Expresso da Meia-Noite” e dois de direção por “Platoon” e “Nascido em 4 de Julho”. Ele já gravou lideranças da esquerda latino-americana em “Comandante” e “Mi Amigo Hugo”, sobre o cubano Fidel Castro e o venezuelano Hugo Chávez, de quem era amigo.

Lula também já havia sido capturado por sua câmera, no longa “Ao Sul da Fronteira”, de 2009, em que Stone conversou com diversos líderes políticos da região.

Há meses “Lula” tem gerado interesse da imprensa e da cinefilia tanto nacionais quanto estrangeiras. Na tarde deste domingo, este repórter ouviu num restaurante da cidade um grupo de executivos americanos conversando, empolgados, sobre a sessão a que assistiriam em algumas horas.

No filme, a câmera de Stone e Wilson captura Lula como um grande estadista, criando para ele momentos grandiosos a partir de imagens de arquivo de emissoras brasileiras e estrangeiras, de trechos de documentários e especiais de TV sobre a sua vida e de imagens do arquivo pessoal do presidente.

“Obrigado por estarem aqui. Isso é comovente. É uma honra. Espero que vocês possam ver Lula como um ser humano, depois desse filme, e que possam ver que é possível, para todas as democracias do mundo, ter um líder como Lula, eleito para governar para o povo. Que faz promessas e que de fato entrega o que prometeu”, disse Wilson ao fim da sessão.

“Lula” se concentra no momento de sua prisão, em abril de 2018, e vai até as últimas eleições presidenciais, com a derrota de Jair Bolsonaro. Mas também volta à sua infância pobre, mostra seus três casamentos, recupera sua trajetória como sindicalista, lembra o impeachment de Dilma Rousseff e faz uma breve apresentação sobre o que foi a ditadura militar brasileira.

Stone e Wilson encontram brechas para destacar o envolvimento dos Estados Unidos no golpe de 1964, num atentado à soberania brasileira que ressurgiria, defende o filme, na articulação da prisão de Lula há seis anos.

Ao ser entrevistado, Lula fala de uma “quadrilha internacional com a CIA, o FBI”. São muitos os minutos dedicados à relação delicada entre Brasil e Estados Unidos. Stone, em sua filmografia prévia, se debruçou sobre teorias conspiratórias para diversos acontecimentos da história americana. Ele volta a dar seu palpite.

A movimentação pela prisão de Lula teve apoio americano, defende o filme, que diz que a Casa Branca nunca se recuperou da tentativa frustrada de criar um bloco econômico que unisse as Américas, durante a presidência de George W. Bush.

O documentário lembra ainda que, num curto período de tempo, líderes latinos de esquerda foram depostos, presos ou vencidos, mais sugerindo que houve algo por trás dessas coincidências do que as analisando como resultado de uma onda política que tomou o continente.

São várias as entrevistas que os cineastas tiveram não só com Lula, mas também com Janja, Glenn Greenwald, colunista da Folha, Cristiano Zanin, Valeska Martins e Walter Delgatti Neto, o hacker da Lava-Jato. Este, junto com o jornalista Glenn Greenwald, é tratado como herói, enquanto a grande mídia brasileira é pintada como cúmplice da ascensão da ultradireita no Brasil.

A Globo é citada e criticada deliberadamente pelos entrevistados, sem que haja um canal para sua defesa. Patrícia Campos Mello, repórter especial da Folha, por outro lado, aparece numa imagem de arquivo ajudando o filme a analisar o fenômeno bolsonarista.

Em geral, não há espaço para qualquer tipo de oposição, num movimento semelhante ao adotado por outros documentários recentes sobre a vida política brasileira, “Democracia em Vertigem”, de Petra Costa, e “O Processo”, de Maria Augusta Ramos.

Quando Sergio Moro apareceu na tela pela primeira vez, em imagens de arquivo, o público presente na sessão em Cannes o vaiou, ainda que timidamente. Exclamações de surpresa em idiomas que não o português também podiam ser ouvidas nos trechos de entrevista em que Bolsonaro ataca mulheres e homossexuais ou louva a tortura.

Foram pouco mais de cinco minutos de aplausos, em pé, ao fim do filme, que é encerrado com um samba que vai crescendo ao fundo de um discurso grandioso após a recente vitória eleitoral de Lula, em clima de festa.

Leonardo Sanchez/Folhapress/Foto: José Cruz/Arquivo/Agência Brasil

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