A proporção de advogados na menor faixa salarial da categoria é maior entre negros e mulheres, segundo levantamento da OAB (Ordem de Advogados do Brasil) que traçou perfil dos profissionais do país.
Os dois segmentos também são mais jovens e têm menos tempo de carreira, o que pode indicar uma recente democratização da profissão, apesar do quadro de desigualdade.
O pouco tempo de atuação, entretanto, não justifica por si só os menores salários, avalia a entidade.
No sentido inverso, mais homens e pessoas brancas atingem faixas maiores de renda e tempo de profissão.
Os dados são do 1º Estudo Demográfico da Advocacia Brasileira.
O estudo foi feito com uma amostra de 20.885 entrevistados, que representam o universo de 1.370.476 advogados inscritos na OAB. A margem de erro máximo é de menos de 1 ponto percentual para mais ou menos.
O levantamento considerou dados do CNA (Cadastro Nacional da Advocacia) e de questionário estruturado pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Segundo a pesquisa, 34% do total de profissionais ganham até dois salários mínimos (até R$ 2.640).
Entre as mulheres, o número salta para 41%, contra 27% entre os homens. Na divisão por raça, o número representa quase a metade (45%) entre os pretos, 39% entre os pardos e 31% entre brancos.
A tendência tem sentido inverso quanto maior é a renda dos profissionais. Uma porcentagem maior dos advogados brancos (6%) consegue alcançar a faixa de mais de 20 salários mínimos (mais de R$ 26.400), contra 4% de pardos e 3% de pretos. Na divisão por gênero, os homens que atingem ou ultrapassam esse montante são 8%, contra 3% das mulheres.
Apesar de ganharem menos, as mulheres já são maioria entre os profissionais. Segundo o levantamento, 50% dos advogados brasileiros são do gênero feminino, 49% do masculino e 1% tem outras identidades. Quanto à raça, 64% se declararam brancos, 25% pardos, 8% pretos e cerca de 1% amarelos e indígenas.
Mulheres e negros também são mais jovens. Há uma proporção maior de mulheres na faixa etária entre 24 a 44 anos —57% entre elas, ante 42% entre os homens; e de 69% entre os pretos e 62% entre os pardos, contra 51% dos brancos.
A tendência se repete em relação ao tempo de atuação. No total, 24% das mulheres atuam há menos de três anos na advocacia, ante 17% dos homens. No recorte de raça, 18% dos brancos estão nessa faixa. O valor no caso de pardos e pretos salta para 25 % e 30%, respectivamente.
No sentido inverso, mais tempo de profissão mostra cenário mais masculino e branco. Homens que alcançaram mais de 20 anos na advocacia estão em maior proporção na categoria (28% no caso deles, contra 19% delas). Da mesma forma, 28% das pessoas autodeclaradas brancas se encontram na faixa, contra 15% de pardos e 12% de pretos.
Para a OAB, a idade e o pouco tempo de atuação justificam em parte os salários menores entre mulheres e negros, mas não são a única explicação. “Machismo e sexismo também têm relação com o cenário”, afirma Rafael Horn, vice-presidente do Conselho Federal da OAB e coordenador do levantamento.
Segundo ele, os dados da pesquisa apontam para uma tendência em que os salários são menores entre mulheres e negros mesmo entre pessoas com a mesma experiência e tempo na profissão.
Apesar da significativa desigualdade, é possível ver os dados também como uma recente democratização da advocacia, alavancada pelo aumento da oferta de cursos de direito, aponta Horn.
Embora o resultado seja positivo em termos de inclusão, a OAB vê com preocupação a proliferação de cursos de baixa qualidade, o que, para Horn, também pode ser uma das justificativas para o fato de profissionais mais jovens terem dificuldade de conseguir oportunidades melhores ao se colocar no mercado.
Irapuã Santana, presidente da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP, afirma que a quantidade de negros absorvidos pelo mercado não acompanha nem mesmo a proporção daqueles que se formam em universidades de ponta.
Ele cita dado de pesquisa do Ceert (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades) com a Aliança Jurídica pela Equidade Racial segundo o qual a presença de advogados negros nos grandes escritórios de São Paulo era de 11% em 2022. Apesar de baixo, o índice indicou uma melhora: em 2019, o valor era de menos de 1%.
Segundo Santana, a realidade de parte desses profissionais os coloca diante de um ciclo marcado pela pobreza, situação que prejudica a ascensão na profissão.
“Uma pessoa que ganha até dois salários mínimos não vai ter acesso a uma internet de qualidade”, exemplifica. “Isso também acaba pressionando os profissionais a continuar em uma faixa baixa de renda. A pessoa pode ser muito boa, mas, não tendo instrumentos ou ferramentas específicas para fazer o bom serviço exigido pelo próprio Estado, acaba sendo pressionada a continuar em uma situação de escassez e vulnerabilidade.”
MATERNIDADE
O levantamento da OAB também apontou diferenças relacionadas ao número de pessoas sem filhos, o que atinge 43% do total da amostra. Entre as mulheres, o número vai para 52%, contra 33% entre os homens.
Segundo a OAB, o dado, além de ter relação com a idade das advogadas —que são mais jovens que os homens— pode também indicar o adiamento da maternidade devido à preocupação com a carreira. No caso de cuidadores solo, o número salta para 26% entre as mulheres, contra 8% entre os homens.
Para Laryssa Copack, juíza no Paraná e co-coordenadora do Coletivo Antígona, que reivindica equidade de gênero no Judiciário, o levantamento comprova a dificuldade que as mulheres têm de conseguir se dedicar mais à profissão.
Ainda segundo o levantamento, 55% do total da amostra tem entre 24 e 44 anos, 58% são casados, 58% têm filhos, 43% se declaram católicos, 45% têm renda individual com a advocacia entre 2 e 10 salários mínimos, 72% são autônomos e 26% desempenham outra atividade profissional além da advocacia.
Ana Gabriela Oliveira Lima/Folhapress/Foto: Marcello Casal Jr./Arquivo/Agência Brasil