Candidatas denunciam concurso da UFMG que desclassificou pessoas negras

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Ao menos duas candidatas negras acionaram o Ministério Público Federal para apurar o resultado de um concurso da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) voltado para professores negros em que apenas pessoas brancas foram aprovadas.

As participantes afirmam que houve discriminação durante o processo seletivo para professor (a) adjunto do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biológicas da universidade. A seleção disponibilizava, segundo o edital, uma única vaga afirmativa para uma pessoa negra.

Ao todo, 22 pessoas concluíram as inscrições para o concurso, sendo que 11 compareceram à primeira etapa, de prova escrita. Nessa fase, em que a banca não tem conhecimento de quem é o candidato, foram aprovados sete candidatos, sendo três mulheres negras e quatro pessoas brancas. Já na fase seguinte, de análise de títulos (currículo) e seminários, as três candidatas negras foram eliminadas. As outras quatro pessoas brancas foram aprovadas.

Depois dos recursos apresentados pelas candidatas à instituição, a UFMG decidiu, no último dia 5, anular a etapa de seminários. A data da nova avaliação ainda será divulgada.

Procurada, a universidade afirmou que a decisão foi tomada porque a banca foi feita por videoconferência, o que não estava previsto no edital. A UFMG não comentou as denúncias de discriminação durante o processo seletivo.

“Com o resultado do concurso, a única certeza que tenho é que toda vez que temos a oportunidade de chegar, eles movem a linha de chegada. No objetivo, fomos excelentes; no subjetivo, nos excluíram”, disse Giselle Santos Magalhães, 37, uma das candidatas negras reprovadas.

O currículo de Giselle foi considerado o melhor entre todos os candidatos, com 95 pontos em 100. Na prova escrita, a pesquisadora alcançou a média de 71,6 pontos. Mas no seminário, em que a banca avalia uma apresentação dos candidatos, ela recebeu 43 pontos.

A prova de seminário é subjetiva. Nela são apontados os tópicos em que os candidatos serão avaliados, mas não é especificado o valor de cada item observado durante as apresentações.

A candidata Raquel Arifa, que também é negra, questiona a discrepância de notas das avaliações objetivas e subjetivas que recebeu. Com a soma das notas da análise de currículo e prova escrita, ela ficou com 160 pontos. Mas recebeu 46,2 pontos na apresentação do seminário.

O concorrente, um homem branco, alcançou 73 pontos na análise de currículo e 97 pontos no seminário.

“Foi algo realmente gritante. Para eliminar as candidatas negras, eles deram uma nota que não reflete a qualidade dos seminários apresentados, para que a nossa nota ficasse abaixo do necessário para ser aprovado. Isso gerou uma indignação geral. Antes mesmo de sair o resultado, uma professora do próprio departamento de fisiologia elogiou minha apresentação e me disse que a banca foi tão agressiva com as candidatas negras que ela ficou constrangida”, afirmou a candidata Raquel Arifa, que também denunciou o caso à CGU (Controladoria-Geral da União).

Segundo Raquel, a professora fez uma denúncia na ouvidoria da instituição. Além disso, 15 professores do departamento de fisiologia assinaram uma carta pedindo esclarecimentos sobre a avaliação.

No documento, ao qual a Folha teve acesso, os docentes definem a questão como “séria e preocupante” e afirmam que “existe uma grande discrepância entre candidatos brancos e negros em diferentes etapas, anônimas e não anônimas”.

“A candidata negra mais bem colocada entre os cinco primeiros colocados, independente da sua classificação, seria aprovada em primeiro lugar e seria escolhida como nossa futura colega docente do departamento. No entanto, estamos cientes de que a vaga foi preenchida por um candidato que não se enquadra nas especificações de cotista, sendo uma pessoa branca”, afirmam.

Ainda na carta, os professores ressaltam que o programa de cotas corrige desigualdades históricas e proporciona oportunidades iguais para grupos historicamente marginalizados. E finalizam o documento pedindo vista sobre o material gravado na fase de seminários e solicitam esclarecimentos sobre o concurso.

A advogada Isabela Corby, da ONG Maria Felipa, que representa a pesquisadora Giselle Magalhães, afirma que a banca descumpriu regras do edital durante o processo seletivo.

“O edital previa que apenas os membros da banca que não pertencem ao quadro de pessoal da UFMG poderiam participar da avaliação de forma online. Mas a banca foi feita completamente por videoconferência”, afirmou.

Ainda segundo a advogada, o edital também previa que os candidatos não assistissem à apresentação dos concorrentes, mas o link dos seminários foi divulgado abertamente. “A UFMG não garantiu nenhum mecanismo para que esse sigilo fosse preservado. Ou seja, o seminário pôde ser acompanhado inclusive por outros candidatos.”

Em comunicado enviado aos candidatos do concurso, o diretor do ICB (Instituto de Ciências Biológicas) da universidade, professor Ricardo Gonçalves, reconheceu que, durante a seleção, “não foram observados” itens previstos no edital.

“Portanto, com o compromisso de conduzirmos o processo dentro das normas estabelecidas pelo edital, vamos realizar a prova de seminários em uma nova data. Os candidatos serão convocados com até 30 dias de antecedência para o comparecimento no local estabelecido para a realização da prova, conforme previsto pelo edital”, afirmou o diretor.

Os candidatos que haviam sido reprovados, porém, querem que uma nova banca seja contratada.

“Protocolamos uma representação no Ministério Público Federal pedindo para que todas as irregularidades sejam apuradas, além de determinar ações necessárias para a realização de um novo seminário com uma nova banca avaliadora. Também foram requeridos os vídeos das apresentações dos seminários e as atas justificativas”, disse a advogada Isabela Corby.

“Essa situação expõe a falta de preparo de uma universidade pública para a pauta do letramento racial. Também nos desperta para a exigência de que os concursos públicos tenham maior transparência das bancas”, conclui.

Aléxia Sousa/Folhapress/Foto: Foca Lisboa/UFMG/Arquivo

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