Representantes da sociedade civil que integram o Cedca (Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente) do Paraná estão contestando a tentativa do governador Ratinho Junior (PSD) de destinar R$ 20 milhões do FIA (Fundo Estadual para a Infância e a Adolescência) para o governo do Rio Grande do Sul, na esteira dos problemas enfrentados pelos gaúchos com as fortes inundações.
Vice-presidente do Cedca e representante da Fundação Iniciativa, Danielle Dalavechia afirmou que a legislação não permite tal transferência de recursos e que o “orçamento da criança e do adolescente é prioridade absoluta”. “Trabalhamos para aumentá-lo, não para diminuir”, criticou ela, que apresentou um relatório ao conselho questionando a ideia do governo paranaense.
A Folha procurou a assessoria do governador Ratinho Junior nesta quinta-feira (22), que respondeu por meio de nota, em defesa do envio da verba ao Rio Grande do Sul. Disse que o “eventual repasse para ajudar crianças no Rio Grande do Sul não vai comprometer os investimentos no Paraná” e que o FIA paranaense “conta, nesta data, com R$ 474.772.067,00 em recursos disponíveis, rendendo nos meses de junho e julho o total de R$ 4.696.987,14”.
O conselho, que é formado por representantes do governo estadual e da sociedade civil, em igual número, se reúne na manhã desta sexta-feira (23) para decidir se irá ou não dar o aval à transferência de recursos. A presidente do conselho, Juliana Sabbag, representante do governo estadual, já se manifestou a favor do pleito.
Segundo consta no processo que tramita no conselho, a Secretaria de Desenvolvimento Social do Rio Grande do Sul informou que deve usar o dinheiro do Paraná para executar o programa “Partiu Futuro Reconstrução”, cujo objetivo é promover a inclusão de adolescentes “no mundo do trabalho por meio da aprendizagem profissional e da prática no âmbito da administração pública”.
O Rio Grande do Sul acrescentou que o programa é voltado a adolescentes de 14 a 17 anos inscritos no CadÚnico, “que sejam estudantes de escola pública ou egressos, desabrigados, desalojados e/ou atingidos pelas enchentes”.
Um dos documentos que integra o processo no conselho é uma carta do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB), com um agradecimento a Ratinho Junior pela “sensibilidade demonstrada neste momento de reconstrução”. Também procurado pela Folha nesta quinta, o governo do Rio Grande do Sul afirmou, em nota, que “o assunto compete ao estado do Paraná”.
Em seu relatório, Dalavechia disse que o Paraná também precisa de investimento na área de aprendizagem profissional para adolescentes e citou números do governo federal para mostrar que o Rio Grande do Sul aparece melhor em relação a contratações do tipo.
“Nunca ocorreu cofinanciamento para a política pública de aprendizagem no montante de valor que se está pretendendo repassar ao Rio Grande do Sul, algo que se mostra no mínimo contraditório, haja vista que o estado gaúcho encontra-se muito próximo do alcance da meta de contratação de aprendizes do que o Paraná”, apontou ela, em trecho do documento.
Em nota, o governo do Paraná disse que seu Programa Estadual de Aprendizagem contemplou 350 aprendizes em 2022/2023, com a destinação de R$ 8 milhões. “Do total, 209 adolescentes concluíram o programa e 141 não concluíram devido à evasão e não aceitação de retorno.”
Na mesma nota, o governo paranaense afirmou que a Procuradoria Geral do Estado “fez uma análise criteriosa” sobre a transferência dos R$ 20 milhões.
Em resposta ao governo paranaense, a procuradoria indicou que a transferência do dinheiro só poderia ser feita se houvesse mudanças na legislação e faz sugestões de alterações nas normas.
Em um primeiro momento, no final de maio, a Secretaria do Desenvolvimento Social e Família de Ratinho perguntou sobre a possibilidade de uma transferência do FIA do Paraná ao FIA do Rio Grande do Sul. No ofício, a pasta citou a calamidade pública em decorrência das fortes chuvas e afirmou que a lei de 1991 que criou o fundo estadual “não restringe o atendimento às crianças e adolescentes do estado do Paraná”.
A procuradoria respondeu que a lei de 1991 “define claramente que os repasses são feitos do fundo estadual [apenas] para os fundos municipais”. Sugeriu, ainda, uma mudança na legislação para contemplar a possibilidade de transferência do dinheiro.
No final de junho, a secretaria do Paraná fez uma nova consulta, sobre a possibilidade de os recursos serem transferidos diretamente ao governo do Rio Grande do Sul. “Não se verificam óbices de ordem legal, desde que acompanhado da devida autorização legislativa e dos ajustes orçamentários exigidos por normas de direito financeiro”, respondeu a procuradoria.
Danielle Dalavechia afirmou que nenhum projeto de lei foi levado até agora à Assembleia Legislativa e que o conselho não pode aprovar o repasse sem considerar a legislação em vigor, “sob pena de responsabilização pessoal de cada conselheiro que deliberar favoravelmente”.
Catarina Scortecci/Folhapress/Foto: Divulgação/Arquivo