O Brasil tem 632 mil crianças fora da escola por falta de vagas em creche. Há fila por vagas em 44% dos municípios brasileiros.
Os dados, divulgados nesta terça-feira (27), são do chamado Levantamento Nacional Retrato da Educação Infantil no Brasil – Acesso e Disponibilidade de Vagas. O estudo foi realizado pelo Gaepe-Brasil (Gabinete de Articulação para a Efetivamente da Educação) e pelo MEC (Ministério da Educação).
O estudo mostra 7 em cada 10 crianças na fila por creche têm até dois anos. As situações mais desafiadoras estão nas regiões Norte e Centro Oeste.
Apesar dos números, 1.972 municípios não possuem plano de expansão de vagas. Desses, 21% alegam não ter o planejamento por entenderem não haver necessidade.
O Diretor de Políticas e Diretrizes da Educação Integral Básica do MEC, Alexsandro do Nascimento Santos, explica que a análise dos dados ainda será feita na quarta-feira (28), mas diz já ser possível intuir algumas das causas para os resultados obtidos.
“A região norte tem uma complexidade sobretudo pela sua diversidade étnico-cultural e pelas grandes distâncias entre os municípios, o que impõe uma espécie daquilo que a literatura tem chamado de ‘custo Amazônia’ para a política educacional, que é pensar toda a complexidade de fazer por exemplo, edificações no interior da Amazônia”, explica.
A falta de vagas em creche é um dos grandes desafios da educação brasileira. Pesquisas internacionais e nacionais têm reforçado a importância da educação na primeira infância para o desenvolvimento educacional e sucesso na vida adulta.
Todos os municípios do Acre, Amapá, Roraima e Distrito Federal registram fila por falta de vagas em creches.
Há ainda uma parcela de 7% de municípios que não fazem a identificação se há ou não fila de espera para as creches. Maranhão e Acre lideram esse déficit, com 18% de municípios sem o registro.
Das cidades com os dados sobre as filas, a maioria (56%) não usa critérios de prioridade entre as crianças, como aquelas em situação de risco e vulnerabilidade social, com deficiência, filhos de mães solos ou adolescentes e famílias de baixa renda, entre outros aspectos.
A pesquisa questionou todos 5.569 municípios e o Distrito Federal, que responderam aos questionamentos. O levantamento ocorreu entre 18 de junho e 5 de agosto, considerado o Mês da Primeira Infância.
Na coleta de dados, os municípios também foram questionados acerca de ações de atendimento às crianças em idade de creche voltados a crianças com deficiência e aquelas que fazem parte de povos de comunidades tradicionais, revelando que 74% não tem o serviço.
Entre aqueles que fazem ações para esse público, a maior parte é feita por meio de busca ativa nas comunidades, ou seja, com visita às residências para identificar crianças fora da escola e orientação às famílias sobre a importância da matrícula e frequência escolar. A prática é aplicada tanto na zona rural quanto na urbana.
Na pré-escola, a região Norte também tem a maior porcentagem de crianças fora dessa etapa do ensino. “Dados do Norte e Nordeste apontam para uma necessidade de avançarmos nesses territórios que são tradicionalmente mais desafiadores”, diz Alessandra Gotti coordenadora do Gaepe-Brasil.
“O objetivo é contribuir para a elaboração de um plano de ação nacional efetivo para apoiar as redes no planejamento de expansão do atendimento às crianças na creche e na pré-escola”, diz nota do Gaepe-Brasil.
Lei sancionada em maio deste ano traz a obrigação de que as redes de ensino divulguem, anualmente, a fila por creches. Também devem ter um planejamento de expansão da oferta, uma vez identificada essa necessidade.
A educação infantil é responsabilidade dos municípios, que muitas vezes encontraram dificuldades orçamentárias para essa oferta. Governos estaduais têm obrigação de colaborar com as prefeituras, mas isso não tem acontecido a contento —12 governos estaduais nem sequer mencionam termos ligados à educação infantil em suas leis orçamentárias.
O governo federal também tem obrigação de apoiar as redes municipais, mas sucessivas gestões têm falhado nessa missão. O governo Lula (PT) prometeu ano passado destravar obras de educação paradas, mas até agora nenhuma foi retomada. São 1.317 obras de creches e pré-escolas paradas, o equivalente a 35% do total.
De acordo com painel do governo sobre a retomada de obras voltadas para educação infantil —como construção de creches e escolas—, somente 132 obras tinham registro de termo gerado entre União e prefeituras.
A legislação brasileira não prevê a obrigatoriedade da matrícula de crianças com menos de quatro anos, mas o estado é obrigado oferecer a vaga quando houver demanda. O PNE (Plano Nacional de Educação) previu que o país garantisse até 2024 metade das crianças da idade matriculada, o que não foi alcançado.
Além disso, em 2022, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que o poder público precisa garantir vagas em creches e pré-escolas para crianças de até cinco anos.
De acordo com o levantamento divulgado nesta terça, a taxa de escolarização de crianças de até três anos é de 39%. No Norte, esse percentual é o mais baixo, de 21% —seguido de Centro-Oeste (32%), Nordeste (35%) e Sudeste e Sul (ambas regiões com 46%).
Segundo o Censo Escolar de 2023, o mais recente, o país tem 4,1 milhões de crianças matriculadas em creches públicas e privadas.
O Gaepe-Brasil é uma instância de diálogo e cooperação entre atores do setor público e sociedade civil envolvidos na garantia do direito à educação. Idealizada e coordenada pelo Instituto Articule, a iniciativa tem cooperação da Atricon (Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil) e do Comitê Técnico da Educação do Instituto Rui Barbosa.
Mariana Brasil/Paulo Saldaña/Folhapress/Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil/Arquivo