Festejada por membros do governo Lula (PT), Macaé Evaristo assume o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania com desafios orçamentários, sob resistência de uma parte do movimento social pela falta de trajetória no tema e pressionada para lidar com as repercussões internas do caso Silvio Almeida.
Militantes históricos da área ressaltam a situação delicada deixada pelo ex-ministro, demitido após acusações de assédio sexual (inclusive contra a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco) dentro de uma pasta que tem entre seus objetivos o combate a esses crimes.
Macaé admite haver um obstáculo quanto às verbas da pasta, mas diz que “pretende contornar a falta de orçamento destinado ao ministério por meio do desenvolvimento de ações interministeriais e com o apoio da sociedade civil”.
A nova ministra afirma ainda que sua atuação sempre teve como foco pautas relacionadas não só à educação, mas também à diversidade, direito das mulheres, de pessoas com deficiência, combate ao racismo e formulação de políticas públicas “para populações historicamente inviabilizadas” —temas ligados ao direitos humanos.
Macaé é deputada estadual pelo PT de Minas Gerais e foi a primeira mulher negra a comandar as secretarias de Educação de Belo Horizonte e de Minas Gerais. No governo Dilma Rousseff (PT), foi secretária de Diversidade e Inclusão do Ministério da Educação, e também integrou a equipe de transição do atual governo Lula.
A nova ministra tem bom trânsito no meio educacional, mas seis pessoas historicamente ligadas ao tema dos direitos humanos reclamaram à Folha, sob reserva, da falta de experiência específica dela na área de sua pasta.
Os recursos do ministério neste ano são menores do que no anterior. Em 2023, a pasta recebeu R$ 511,2 milhões em verbas discricionárias (disponível para investimento em projetos, programas e ações) e R$ 64,3 milhões para gastos obrigatórios (com pessoal, por exemplo).
No Orçamento de 2024, foram destinados R$ 321,4 milhões, uma redução de 37%. As rubricas obrigatórias ficaram praticamente estáveis, com R$ 61,4 milhões.
No projeto inicial elaborado pelo Executivo para 2025 há um leve aumento sobre este ano: R$ 383,2 milhões em discricionárias e R$ 91,6 milhões em obrigatórias, em valores nominais. O Orçamento final, porém, ainda sofrerá alterações no Congresso antes de ser aprovado.
O ministério diz que “tem empenhado esforços para garantir o melhor resultado das políticas públicas de promoção e proteção dos direitos humanos e cidadania para todos, dentro da realidade orçamentária existente”.
Carlos Nicodemos, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, afirma esperar que os laços e a experiência na política institucional ajudem Macaé na articulação do ministério tanto dentro como fora do governo.
“O ministério sofre de um esvaziamento orçamentário muito grande. Precisa melhorar o diálogo com os movimentos sociais, estabelecer uma estratégia de atuação junto ao Parlamento e uma maior capacidade de diálogo no governo.”
A pasta tem como objetivo promover os direitos humanos e formular políticas voltadas ao idoso, à criança e ao adolescente, às pessoas com deficiência, aos negros, às mulheres e à população LGBTQIA+.
Para Regina Lúcia dos Santos, ativista histórica o Movimento Negro Unificado, a chegada de uma mulher para o cargo é positiva, mas todo o episódio, com a demissão de Silvio Almeida, pode reforçar o estereótipo do homem negro como violento e propenso ao crime.
“A gente fica muito contente que seja uma mulher negra a ser indicada para a pasta, mas eu gostaria que Lula tivesse conduzido um homem negro para o cargo”, diz ela. “Não que não seja importante ser uma mulher negra, mas a causa do afastamento do Silvio Almeida coloca um peso muito grande sobre os estereótipos que pairam sobre o homem negro.”
Ela afirma que a área foi “vilipendiada” pelos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL) e que o atual ministério sofre, na interlocução com outras pastas, para conseguir garantir as diferentes esferas dos direitos humanos. “Não desmerecendo Macaé, mas ela é uma grande educadora. Seria um nome ótimo para o Ministério da Educação”, completa.
O diretor da Human Rights Watch no Brasil, César Muñoz, vê a experiência de Macaé na educação como um trunfo, por se tratar de uma “via fundamental para reduzir a desigualdade no país”.
Macaé, diz ele, terá o desafio de lidar com o legado de seu antecessor. “É importante apurar se no ministério existem os mecanismos adequados para prevenir casos de assédio, receber alegações de abuso e responder adequadamente.”
Ex-secretário da Criança do Adolescente, exonerado por Silvio Almeida, Ariel de Castro concorda. “Ela tem o desafio de revitalizar o ministério após o escândalo e a crise, e estabelecer meios adequados de escuta das possíveis vítimas do ex-ministro para encaminhamentos policiais e judiciais.”
Em discurso de despedida da Assembleia Legislativa de Minas Gerais nesta terça (10), Macaé chorou e disse ter a responsabilidade de dar encaminhamento às denúncias de assédio na pasta.
“Entrei na política institucional com o compromisso de ser voz de quem não tem voz, de me colocar como mulher preta e periférica na construção de uma outra política. É por essa razão que me licencio do mandato em Minas. Assumo com uma grande responsabilidade de dar encaminhamento a quase 7.000 denúncias de assédio, dentre elas assédio sexual contra crianças e adolescentes, recebidas no Ministério dos Direitos Humanos em 2024.”
A ministra também pediu a aprovação da lei do Estatuto da Igualdade Racial na Assembleia, proposta de autoria dela e de outras três deputadas que tem como objetivo garantir à população negra a igualdade de oportunidades e o combate à discriminação. A proposta tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Casa.
Colaborou Artur Burigo, de Belo Horizonte João Gabriel/Folhapress/Foto: Luiz Santana/Divulgação/Assembleia MG/Arquivo