A primeira coisa que uma ditadurafaz é outorgar-se uma constituição

Artigos

Tenho a idade de sobrevivente a dois episódio marcantes da vida política brasileira — dois governos autoritários auto-constituídos. Chamo-os assim, por precaução: as ditaduras não gostam do epíteto de “ditaduras”, não quero incorrer no azedume de alguns sobreviventes dos dois eventos patrióticos — do Estado Novo e de 1964.
Vivi ainda os 9 anos finais da República getulista. Vivi, entretanto, os 25 anos dos governos militares, em dose continua.
Na última quadra, autointitulada de “revolucionária”, munido da idade da Razão, presumidamente dotado de um pouco de bom senso, percebi que nem todos os brasileiros eram “personas gratas” ao sistema instalado.
Aos “novos baianos” que faziam a sua estreia como insurretos da MPB nos festivais da contestação, opuseram-se alguns artistas “oficiais”, com seus slogans, embora sem ideologia definida. Não eram tantos como os de agora, nem tão bem remunerados, mas esticavam as cordas das guitarras
e tiravam o seu sarro com serena tranquilidade em busca de inspiração.
É dessa época a cançoneta em ritmo de marcha “Brasil eu te amo…”. E o slogan pedagógico dirigido aos maus meninos e às meninas más: “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Muitos atenderam à recomendação e bateram asas para Paris e Londres. Tudo,
porém, chega um dia ao seu fim. Com a partida do último general-presidente, reformado, indisposto por tanto tempo de lide, e o desembarque de um maranhense, senhor de muitas habilidades políticas, bateu, finalmente, a hora, do regresso.
No Brasil, as ditaduras se anunciam verbalmente, pelos pronunciamentos ou pelas armas recolhidas ou pela lógica de sofismas jurídicos. Duram no poder pela força da inércia; o brasileiro, afinal, não gosta
de compartilhar da oposição em tempos regulares, menos ainda nas insurreições.
Não custa, a sedução do poder convence-o a atender ao chamado da pátria. E a aceitar
da sua indulgência os benefícios da adesão.
O Estado Novo e “1964” foram intervenções autoritárias duradouras. O primeiro, alcançou 15 anos; o segundo, 25, um quarto de século. De tão longas, com seus atos instituidores e até mesmo Constituições outorgadas, houve quem lembrasse, à época, que dada a impossibilidade de mudar de governo, “mudássemos de povo”…


[Lustosa da Costa em sua coluna do jornal
UNITÁRIO].

Cada uma delas tem, entretanto, o seu prazo de validade. Mas geralmente, findo o tempo presumido, saem de fininho, exaustas de um persistente fascina patriótica.
Outras tantas vezes, alguns tiros perdidos repõem a ordem constitucional em vigor.
Sem povo, sem ajuntamento, com alguns discursos. Sem derramamento de sangue
ou desassossegos desnecessários.

Paulo Elpidio Meneses
é reitor aposentado da UFC
Universidade Federal do
Ceará, escritor e jornalista

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *