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O ministro Alexandre de Moraes derrubou nesta quarta (19) o sigilo da colaboração premiada do tenente-coronel Mauro Cid, revelando o que o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL) afirmou sobre o ex-presidente nos diversos depoimentos que prestou nos últimos dois anos.
Cid foi ouvido ao menos 12 vezes pela Polícia Federal de agosto de 2023 a dezembro de 2024. Nelas, o militar afirmou que foi o próprio Bolsonaro quem ordenou o monitoramento dos passos de Moraes, a falsificação de cartões de vacina e a venda de joias oficiais, com o objetivo de pagar dívidas.
O militar confirmou também que o cartão corporativo da Presidência bancou os custos das motociatas promovidas pelo ex-presidente e que era o ex-mandatário quem enviava notícias falsas de seu celular, parte delas fabricadas pelo que ficou conhecido como “gabinete do ódio”.
O documento —divulgado por Moraes um dia após o procurador-geral da República, Paulo Gonet, denunciar Bolsonaro sob a acusação de liderar uma tentativa de golpe de Estado— ainda mostra que a gestão anterior da PGR foi contra a assinatura da delação premiada de Cid por falta de provas.
Na época o órgão era chefiado por Augusto Aras, criticado pela omissão em investigações relacionadas ao ex-presidente. Moraes, no entanto, decidiu pela homologação do acordo em setembro de 2023. A Folha mostrou que o delator mudou pontos relevantes de sua versão sobre a trama golpista em audiência recente no STF.
Veja abaixo em cinco pontos o que ele disse nos depoimentos sobre Bolsonaro, que nega a articulação por um golpe. A defesa do ex-presidente afirmou que recebeu com “estarrecimento e indignação” a denúncia e que não há elementos que o conectem à “narrativa construída” no documento.
1. Bolsonaro pediu monitoramento de Moraes
O que diz a delação: “Indagado [sobre] quem solicitou ao colaborador que fizesse o acompanhamento do ministro Alexandre de Moraes [em dezembro de 2022, Mauro Cid] respondeu que foi o próprio presidente da República, Jair Bolsonaro, quem pediu para verificar a posição, a localização do ministro”.
Cid completa que “um dos motivos” de Bolsonaro era verificar uma informação de que o então vice-presidente Hamilton Mourão se encontraria com Moraes em São Paulo naquela semana. Questionado sobre qual era a outra motivação, já que o monitoramento se estendeu até o fim do mês, Cid respondeu que não sabia.
Quatro militares do Exército e um agente da PF foram presos em novembro acusados de armar um plano para matar Lula, o vice Geraldo Alckmin (PSB) e Moraes, que tiveram seus deslocamentos monitorados.
2. Bolsonaro venderia joias para pagar multas
O que diz a delação: “No começo de 2022, o presidente Jair Bolsonaro estava reclamando dos pagamentos de condenação judicial em litígio com a deputada federal Maria do Rosário e gastos com a mudança e transporte do acervo que deveria arcar, além de multas de trânsito por não usar o capacete nas motociatas; diante disso, o ex-presidente solicitou a [Cid] quais presentes de alto valor que havia recebido em razão do cargo”.
Em 2019, Bolsonaro foi condenado a pagar R$ 10 mil, mais correções e custos do processo, por ter dito em 2014 que a deputada “não merecia” ser estuprada.
Cid afirmou em depoimento que Bolsonaro “autorizou que ele vendesse” um relógio Rolex e o kit de joias ouro branco que recebeu em viagem oficial em 2019 à Arábia Saudita e que entregou pelo menos US$ 68 mil (R$ 408 mil na conversão atual) em espécie nas mãos do ex-presidente.
Ele foi indiciado no caso em julho passado.
3. Bolsonaro ordenou fraude em cartões de vacina
O que diz a delação: “Após conseguir o cartão de vacina [falso] contra a Covid para sua esposa, [Cid] resolveu solicitar o seu e das suas filhas; o presidente [Bolsonaro], após saber que o colaborador possuía os cartões de vacina para si e sua família, solicitou que o colaborador fizesse para ele também; o ex-presidente deu a ordem para fazer os cartões dele e da sua filha, Laura”.
Mauro Cid também afirmou que, em novembro de 2021, conseguiu inserir os dados do ex-presidente e sua filha no sistema ConectSUS, do Ministério da Saúde, depois de três tentativas e a ajuda de um sargento. O objetivo era ter o documento para viagens, por exemplo, já que Bolsonaro nunca se vacinou.
Ele foi indiciado pelo caso em março do ano passado.
4. Bolsonaro pagou motociatas com cartão corporativo
O que diz a delação: “O colaborador acredita que em todas aparições públicas do presidente, seja em ‘motociatas’ ou outros eventos, os gastos operacionais de hospedagem, alimentação e segurança eram gastos, salvo engano, com o cartão corporativo do GSI [Gabinete de Segurança Institucional]”.
Em 2023, a Folha mostrou que Bolsonaro gastou ao menos R$ 4,7 milhões no cartão corporativo da Presidência em dias de folga e motociatas —eventos de cunho eleitoral e sem qualquer relação com a função pública. Em depoimento, Cid confirmou essas informações e disse que muitas vezes sacava dinheiro do cartão para fazer pagamentos cotidianos da família em espécie.
5. Bolsonaro enviava notícias falsas de seu celular
O que diz a delação: “Indagado acerca de notícias falsas identificadas envolvendo empresários, recebendo [sic] do telefone do presidente, [Cid] respondeu que foi o ex-presidente que encaminhou as mensagens: que às vezes ele recebia de alguém e encaminhava para quem ele queria; indagado sobre ataques a ministros do STF, identificados na investigação, encaminhado por meio do telefone do ex-presidente, responde que era o ex-presidente que encaminhava diretamente”.
Questionado, o tenente-coronel confirmou também que Bolsonaro repassava conteúdos encaminhados pelo chamado “gabinete do ódio”, segundo ele formado por “basicamente três garotos” que respondiam a Carlos Bolsonaro e cuidavam de todas as redes do ex-presidente, exceto Facebook e WhatsApp.
Ele disse que “às vezes eles brigavam com o ex-presidente porque ele publicava coisas que eles não queriam”. Tércio Arnaud Tomaz, ex-assessor que chegou a ser apontado como o líder do “gabinete”, ficou de fora da denúncia da PGR.
Júlia Barbon/Folhapress