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Em meio ao recorde de investimentos via lei Rouanet e com o cinema nacional em alta, servidores da cultura reclamam de falta de plano de carreira, salários abaixo da média dos profissionais federais e do estado de conservação de equipamentos públicos do setor, como museus e patrimônios históricos.
A categoria, que inclui profissionais de órgãos como o Ibram, o Instituto Brasileiro de Museus, e a Funarte, Fundação Nacional de Artes, têm um dos menores salários do Executivo.
Hoje, um servidor de cultura em topo de carreira recebe R$ 9.728. Já em carreiras como policial penal federal ou analista em infraestrutura do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), por exemplo, os salários chegam a R$ 15.956 e R$ 21.886, respectivamente.
Em nota, o Ministério da Cultura afirma reconhecer desafios enfrentados por servidores da área. A pasta diz que construiu uma proposta de plano de carreira junto aos servidores para melhorar a progressão salarial e condições de trabalho, que foi apresentada ao Ministério da Gestão.
Profissionais da cultura também reclamam de sobrecarga de trabalho devido à redução no quadro de pessoal na última década, de acordo com Ruth Vaz Costa, do departamento de educação e cultura da Condsef (Confederação dos Trabalhadores do Serviço Público Federal).
Entre 2014 e 2023, a força de trabalho do ministério teve uma queda de 36,6%. A cifra fica acima da redução no quadro geral de profissionais do setor público federal, que foi de 7,8% no mesmo período.
Ela diz que o cenário se agravou com a aprovação da lei Paulo Gustavo. Quando a lei entrou em vigor, a pasta organizou uma força-tarefa para avaliar os projetos com mais rapidez, desviando servidores de suas funções originais.
“Se há uma proposta de executar algo do porte da lei Paulo Gustavo, pressupõe-se que existe força de trabalho para dar conta daquilo, sem prejuízo às outras atividades que o Ministério da Cultura tem que desenvolver. Mas não foi o que aconteceu.”
A partir de 2023, houve aumento no total de servidores, que foram cedidos por outros órgãos após a reinstituição da pasta. No ano passado, o ministério também realizou um processo seletivo simplificado para contratar 99 temporários, que vão atuar com a lei Aldir Blanc. Em dezembro, o Ministério da Cultura alcançou 859 profissionais, o maior número em quase dez anos.
Segundo Ruth, outra preocupação dos servidores é com as condições de trabalho e o estado dos equipamentos públicos de cultura. Na semana passada, a Folha mostrou que o Iphan, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tem ao menos 800 bens tombados À espera de reformas, após o desabamento do teto da igreja em Salvador (BA).
“Estamos em um processo de reconstrução. Os espaços públicos estão voltando a ter profissionais e equipamentos a serem operados, a partir dos investimentos que estão sendo feitos”, afirma Deryk Santana, diretor de políticas para os trabalhadores da cultura.
A pasta também busca recuperar o número de servidores concursados vinculados, segundo Deryk. No entanto, o desafio é tornar a carreira mais atraente para candidatos, tanto em termos salariais quanto em perspectivas de promoção para os profissionais.
Hoje, por exemplo, a categoria não recebe adicional por qualificação, dado a carreiras de ciências e educação. Ainda que um servidor da cultura tenha doutorado, ele receberá o mesmo salário de outros profissionais de nível superior.
Por isso, os sindicatos pedem a criação de um plano de carreiras com aumentos para servidores que tenham mais tempo de estudo.
“A carreira aqui não é das melhores da esplanada, então acaba sendo menos atrativa. Temos uma força de trabalho menor do que tínhamos em 2016, mesmo executando mais políticas e orçamentos”, diz Deryk. “Precisamos de uma carreira fortalecida para que a gente não perca força de trabalho.”
SERVIDORES DA ANCINE PEDEM CAPACITAÇÃO
“Em relação aos servidores da cultura dos demais órgãos, a Ancine pode ser considerada o primo rico, porque somos de uma carreira bem mais valorizada”, diz Mariza Lourenço, presidente da Aspac (Associação dos Servidores Públicos da Ancine).
Os salários da agência variam hoje entre R$ 3.247,79, para servidores no plano especial de cargos das agências, e R$ 22.929,74.
Apesar da remuneração mais elevada, Mariza diz que a categoria enfrenta defasagem no número de profissionais, o que desafia o trabalho do órgão. Desde 2014, a redução de servidores foi de 8,4%, ligeiramente acima da média do setor público federal. No ano passado, a Ancine solicitou vagas ao Ministério da Gestão, mas não conseguiu a autorização para concurso.
Procurada para comentar, a Ancine não respondeu à reportagem até a publicação deste texto.
Profissionais vinculados à agência também relatam dificuldade para exercer o trabalho por falta de capacitação, sobretudo entre os que atuam na prestação de contas. O orçamento para treinar os servidores da agência caiu em 20% desde 2014, segundo dados da Ancine.
“[Estamos em] uma área que tem constantes mudanças e um mercado muito dinâmico, com inovações tecnológicas. Por isso, é importante manter essa capacitação”, diz Rodrigo Camargo, diretor-administrativo da Aspac.
Luany Galdeano/Folhapress.Foto: Valter Campanato/Agência Brasil/Arquivo