Identificação com a esquerda cresce e vai a 49% da população; direita recua, diz Datafolha

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A identificação dos brasileiros com o espectro ideológico de esquerda cresceu e alcança hoje 49% da população, segundo o Datafolha. O percentual, que abrange ideias sobre comportamento, valores e economia, é o mais alto da série histórica para a pesquisa, iniciada em 2013.

De 2017, quando foi realizado o levantamento anterior, para cá, o perfil ideológico mudou: antes havia uma divisão mais igualitária entre direita (40%) e esquerda (41%), e agora a segunda opção é predominante.

A pesquisa, feita a partir de respostas dos entrevistados a perguntas sobre temas que separam as duas visões de mundo -como drogas, armas, criminalidade, migração, homossexualidade e impostos-, mostra que 34% têm ideias próximas à direita e 17% se localizam ao centro.

É sob esses humores que o país se prepara para a eleição presidencial de outubro, com disputa polarizada entre dois candidatos associados aos dois universos: pela esquerda, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que lidera as intenções de voto, e, pela direita, o presidente Jair Bolsonaro (PL).

A pesquisa do Datafolha com a conclusão sobre inclinação política, que ouviu 2.556 pessoas acima dos 16 anos em 181 cidades de todo o país nos últimos dias 25 e 26, também trouxe o petista com 48% das preferências no primeiro turno, ante 27% do postulante à reeleição.

Contratado pela Folha, o levantamento está registrado no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) sob o número BR-05166/2022 e possui margem de erro de 2 pontos percentuais, para mais ou menos.

A classificação ideológica foi feita conforme a soma da pontuação das respostas do entrevistado, em uma escala definida pelo instituto que varia entre esquerda (17% da população), centro-esquerda (32%), centro (17%), centro-direita (24%) e direita (9%). Os valores foram arredondados.

Segundo o instituto, a mudança rumo à esquerda já tinha sido observada em 2017, mas de forma menos acentuada.

A parcela de direita, que cinco anos atrás totalizava 40% e recuou 6 pontos percentuais, diminuiu principalmente por causa do maior apoio a posições no campo de comportamento e valores associadas ao ideário antagônico, como a pauta dos direitos humanos.

Foi sentida alteração significativa, por exemplo, na questão sobre adolescentes que cometem crimes (juridicamente, atos infracionais). Aqueles que acham que os jovens devem ser reeducados passaram de 25% para 34%. Os que defendem que sejam punidos como adultos eram 73% e agora são 65%.

Está diferente também a percepção sobre sindicatos, que perderam influência com a reforma trabalhista de 2017. Naquele ano, 58% consideravam que as entidades serviam mais para fazer política do que para defender os trabalhadores. Hoje são 50%.

Já a visão de que os sindicatos são importantes para defender os interesses dos trabalhadores subiu de 38% para 47%.

A guinada em direção à esquerda também é notada no campo econômico isoladamente, embora em ritmo mais brando.

No conjunto de assuntos de comportamento, a esquerda atingiu seu recorde da série histórica, com 42% (ante 31% em 2017, uma diferença de 11 pontos percentuais). Já a direita diminuiu e obteve o menor índice desde o primeiro levantamento, 39%. Na sondagem anterior, o percentual era de 47%.

Na esfera da economia, a adesão à esquerda passou de 44% para 50% (a maior da série histórica, um salto de 6 pontos) e o apoio a bandeiras do segmento oposto foi de 28% para 25% (o menor já registrado).

Das seis perguntas que compõem a escala de pensamento econômico, duas apresentaram elevação do percentual de respostas à direita.

Uma delas foi a avaliação, típica do receituário liberal, de que as empresas privadas devem ser as maiores responsáveis por investir no país e fazer a economia crescer. A proposta tem concordância de 24% hoje, ante 20% cinco anos atrás. Por outro lado, a fração que atribui o papel ao governo caiu de 76% para 72%.

A discussão sobre a responsabilidade do Estado ganhou força no mundo após os impactos financeiros da pandemia de Covid-19 e é tema do debate eleitoral –com a tendência da campanha de Bolsonaro de acenar ao mercado, enquanto a de Lula aponta um modelo de maior participação.

Algumas das opiniões com maior gradação rumo à esquerda foram a de que o governo deve ajudar grandes empresas nacionais em risco de falência (de 63% para 71%) e a de que é preferível pagar mais impostos e receber mais serviços gratuitos de saúde e educação (de 43% para 48%).

Aspectos da pauta de comportamento que ganharam impulso com a onda de direita que levou Bolsonaro ao poder em 2018, em meio à ascensão mundial de líderes populistas, estão longe de serem apoiados pela maioria dos brasileiros.

O tema das armas, também aferido pelo Datafolha em pesquisas intermediárias em 2017, 2018 e 2019, não acompanhou a campanha declarada do presidente da República e seus apoiadores por armamento da população, com medidas que facilitaram compra, porte e posse.

A ideia de que possuir uma arma legalizada deveria ser um direito do cidadão para se defender era apoiada por 43% da população na rodada anterior da sondagem ideológica e caiu numericamente até atingir o atual patamar de 35%.

Já os que acham que a posse deve ser proibida, pois representa ameaça à vida de outras pessoas são maioria (63%), índice à frente dos 55% de 2017. Um outro capítulo da pesquisa já havia mostrado que 7 a cada 10 entrevistados rejeitam o discurso de que armas trazem mais segurança.

Também é majoritário o pensamento de que pessoas pobres de outros países e estados que vão trabalhar na cidade do entrevistado contribuem com o desenvolvimento e a cultural local, endossado por 76%.

O brasileiro está mais à esquerda, ainda, em relação à pena de morte (61% acham que não cabe à Justiça matar uma pessoa, mesmo que ela tenha cometido um crime grave, ante 55% em 2017) e aos homossexuais (79% dizem que a homossexualidade deve ser aceita por toda a sociedade, ante 74%).

As posições de direita, entretanto, são preponderantes em temas como drogas e fé. Uma parcela de 83% acha que o uso de entorpecentes deve ser proibido porque toda a sociedade sofre com as consequências, crescimento de 3 pontos percentuais em relação à pesquisa anterior, na margem de erro.

A afirmação de que acreditar em Deus torna as pessoas melhores permanece com apoio da maioria, mas decresceu numericamente na comparação com 2017, indo de 83% para 79%.

Desde que o Datafolha começou a aferir a tendência ideológica dos brasileiros, em 2013, o país passou por três presidentes da República -Dilma Rousseff (PT), Michel Temer (MDB) e Bolsonaro– e por fatos que influenciaram o quadro político geral, como o impeachment da petista e a prisão de Lula.

A maior taxa de brasileiros identificados com a direita foi observada em setembro de 2014, com 45%, ante 35% dos afinados com a esquerda. Dilma seria reconduzida à Presidência no mês seguinte, com margem apertada (51% dos votos válidos), e não concluiria o mandato, sendo derrubada em 2016.

Eleito com um discurso conservador que ajudou a catapultar nomes da direita para o Congresso, Assembleias Legislativas e governos estaduais, Bolsonaro perdeu apoio popular ao longo do mandato e tem seu governo reprovado por 48% da população. Na eleição, 54% dizem não votar nele de jeito nenhum.

A queda de Dilma, as condenações de Lula na Operação Lava Jato e o surgimento do bolsonarismo simbolizaram reveses para a esquerda. Desde 2021, com a anulação das sentenças do ex-presidente pelo Supremo e sua volta ao jogo eleitoral, o campo busca retomar o fôlego.

Pesquisa Datafolha do fim do ano passado mostrou que o PT alcançou seu melhor resultado na preferência partidária do brasileiro desde 2013. A sigla, que sempre liderou o ranking, mas acumulava altos e baixos no levantamento, foi apontada como a predileta por 28% dos entrevistados.

A pior marca do partido (9%) foi em março de 2015, quando protestos contra o governo Dilma reuniram quase 1 milhão de pessoas pelo país.

Por Joelmir Tavares
São Paulo, SP
/Jornal de Brasilia/Foto: Divulgação

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