A Defensoria Pública do Rio de Janeiro encontrou falhas nos protocolos adotados no Hospital da Mulher Heloneida Studart, onde o anestesista Giovanni Quintella Bezerra, 31, foi preso após ser flagrado estuprando uma paciente durante uma cesárea.
Em vistoria realizada na última quinta-feira (14), o órgão identificou problemas no preenchimento do livro no qual são registradas informações sobre as cirurgias e no armazenamento da documentação das pacientes.
Segundo a defensora Thaísa Guerreiro, coordenadora de Saúde da Defensoria, os dados são anotados no livro meses após os procedimentos, “extraídos de fichas soltas de papel que não garantem a segurança das informações”.
“Há risco de extravio de informações dos procedimentos cirúrgicos realizados na maternidade. Essa fragilidade pode incutir uma sensação de impunidade, o que pode encorajar atos como aquele [o estupro]”, diz.
O relatório com as irregularidades será encaminhado à secretaria estadual de Saúde e à Fundação Saúde, entidade responsável pela gestão do hospital. Procurada para responder sobre as falhas identificadas na vistoria, a pasta ainda não se manifestou.
A defensora afirma ainda que os protocolos, fluxos e processos de trabalho precisam ser aprimorados na unidade.
Segundo depoimentos colhidos ao longo das investigações do estupro, o anestesista pedia que os maridos das pacientes se retirassem da sala de cirurgia no meio do procedimento. Lei federal garante à mulher o direito a um acompanhante durante todo o parto.
Os depoimentos também indicam que Bezerra aplicava, sem necessidade, altas doses de sedativo nas pacientes, para que pudesse estuprá-las.
Para a Defensoria, o fato de que os obstetras não questionaram a sedação ou interpelaram o anestesista quando ele orientou o pai a se retirar do centro cirúrgico demonstra que violações aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres estão sendo naturalizadas no hospital.
Na avaliação de gestores de saúde ouvidos pela reportagem, condutas como aplicar medicação superior à usada pelos demais colegas e pedir que o acompanhante saia da sala deveriam ter despertado suspeitas no restante da equipe médica, assim como ocorreu com a enfermagem, que armou o flagrante para denunciar o crime.
Para Francisco Balestrin, presidente do sindicato paulista dos hospitais, clínicas e laboratórios, esse cenário todo mostra que há falta de governança clínica nos hospitais. “Você precisa ter equipes que estão sempre analisando resultados institucionais, por exemplo, a utilização de anestésicos para ver se não estão sendo consumidos de forma inadequada, e fazendo reuniões para analisar caso por caso”.
De acordo com o cirurgião Sidney Klajner, presidente do Hospital Israelita Albert Einstein, em relação ao excesso de sedação, o alerta poderia ter vindo da farmácia do hospital. “Como está saindo tanto sedativo para uma cesárea?”. A sedação total de mulheres para o parto é excepcional e pouco recomendada pelos médicos.
Na sexta (15), a Justiça do Rio aceitou denúncia contra o anestesista, que se tornou réu pelo crime de estupro de vulnerável. A pena pode variar de 8 a 15 anos de prisão.
Sua defesa ainda não foi encontrada. No processo eletrônico do Tribunal de Justiça, Pedro Yunes Marones de Gusmão aparece como advogado do anestesista. Procurado, ele disse que atendeu um pedido da família para participar da audiência de custódia, mas que não está na defesa de Bezerra.
Ana Luiza Albuquerque/Folhapress