Desde a proclamação da República, em 1889, o Brasil já teve 38 presidentes. Destes, oito eram vices e assumiram o cargo máximo do Poder Executivo após renúncia, impeachment ou morte do titular. Eles representam um terço dos 25 vice-presidentes que o país já teve.
Desde a redemocratização, foram três os que passaram a ocupar em definitivo a presidência: José Sarney (1985 – 1990), pela morte de Tancredo Neves antes mesmo de tomar posse; Itamar Franco (1992 – 1995), após o impeachment de Fernando Collor; e Michel Temer (2016 – 2018), após o impeachment de Dilma Rousseff.
Já João Goulart (1961 a 1964), que assumiu devido à renúncia de Jânio Quadros, esteve no centro das tensões que levaram ao golpe militar de 1964. Até aquela época, o vice-presidente era escolhido de forma separada do presidente da República, o que naquela ocasião, elegeu duas pessoas de matizes ideológicas opostas.
Hoje, presidente e vice são eleitos de forma conjunta. Mesmo que nem sempre o eleitor se atente ou leve em consideração quem acompanha o titular da chapa, a escolha é considerada decisiva pelas campanhas e pode indicar rumos para um possível mandato, como apontam especialistas.
“Em muitas oportunidades, a depender do critério de escolha, procura-se levar em conta o peso político daquela figura. Ele poderá ter uma influência muito grande naquele governo”, diz o cientista político e professor da Faculdade de Sociologia e Política de São Paulo, Rui Tavares Maluf.
O professor de ciência política da Universidade de Brasília (UnB) Lucio Rennó destaca que a representatividade de um vice pode trazer ganhos eleitorais.
“É importante em casos em que esse vice traga certa legitimidade à candidatura ou um aumento da confiabilidade para certos setores da sociedade. O vice precisa agregar algo eleitoralmente para que de fato tenha peso maior na sorte da chapa”.
Já Rui Tavares Maluf afirma que este costuma ser o principal critério para a escolha dos vices.
“Em geral, é aumentar a sua força político-eleitoral. Muito difícil dizer que no primeiro critério de uma chapa entra como critério forte a questão de como iremos governar e que função ele terá no governo. Pode ser realmente um elemento agregador. E pode ser um elemento para não perder votos em um segmento”.
Um exemplo, segundo os especialistas, seria a estratégia do presidente Jair Bolsonaro (PL) de escolher, tanto em 2018 como em 2022, militares para compor sua chapa. Além disso, a escolha do general Braga Netto para estas eleições seria uma espécie de “seguro impeachment”.
“A ideia do vice que somasse dentro da base [em 2018] era mais importante do que somar a outras. Hoje, não agrega nada em termos eleitorais, mas ele já pensa na hipótese da vitória. Seria a pessoa que iria segurar a situação em grandes dificuldades”, diz Rui Tavares Maluf.
Já o ex-presidente Lula, candidato ao Planalto pelo PT, segue uma estratégia mais tradicional, de buscar um perfil complementar ao dele, ao escolher o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin (PSB), ex-tucano que já disputou a Presidência com Lula, em 2006, e contra Fernando Haddad (PT), em 2018. A escolha trouxe resistências em parte do eleitorado de esquerda.
“Trazendo Alckmin, [Lula] ganha muito mais do que ele perde. Porque esse eleitorado de esquerda incomodado não vai votar em outro candidato. Esse eleitorado não perde com a escolha do vice e ele agrega um eleitor que possa se juntar ao projeto”, diz Lucio Rennó.
Afinal, qual a função de um vice-presidente?
A Constituição de 1988 prevê que o vice-presidente da República tem como única atribuição substituir o titular em caso de impeachment, falecimento ou incapacidade de ocupar o poder, além de “auxiliar o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais”.
“Rigorosamente falando, o vice não tem função alguma. É uma função de expectativa. Na prática, ele muitas vezes representa o presidente quando ele está em outras atividades, mas é claro que até mesmo outra autoridade escolhida pelo presidente poderia fazer isso. Não é um cargo, é uma função de expectativa”, diz Rui Tavares Maluf.
Para Lucio Rennó, no entanto, o vice pode ter uma função atribuída pelo presidente da República, o que pode trazer riscos.
“Não significa que o vice seja decorativo. Pode muito bem, a partir de um certo tipo de acordo com o presidente, assumir funções de mais decisão na estrutura do governo. Mas sempre tem esse risco de que se a pessoa não for como o esperado, como você lida com essa substituição?”.
O TEMPO